Para minha morte

E se realmente eu vier a morrer, hoje ou amanhã, e nas gastas costas da morte, garupar em direção à finitude que grudou feito essência nesses pedaços de matéria consciente ao qual choramos ser, os breves mortais: convoco as espoletas pensantes a animar o bafo fúnebre de Thânatos pois ele também se nomeia com a mesma indeterminação de in-lugar que o imaginário histórico-cultural associou à passagem para o vazio do não-ser com o nada do existir. Que minha senescência sirva de lição para os ainda morrentes vislumbrarem seus próprios destinos-fins no que algum instante tinha sido até então os meus. Sintam na morte o amargo mais doce que a vida poderia fatalizar aos que cumprem o peso de viver sem saber o que raios isso implica e ainda assim arranjam disposição de troçar desse talvez ensurdecedor que, na maldita condição de ser-pra-morte aquilo que sempre haverá chances de ser mortificado ainda mais, o assombro estranho mais terrível da humanidade. Peço que avultem longe daquilo que chamam de “mim” nessa hora, as mágoas lacrimosas da culpa e da vergonha honrosa que a doutrina cristã promoveu a título de salvação e, provavelmente no que alguns tentarão transformar minha morte em propaganda religiosa para seus próprios sadismos ateus mal escondidos em dogmas tão desesperados, POIS NA MINHA MORTE A VIDA HÁ DE SER CELEBRADA não como absoluta antítese do fenômeno mortis, mas como único e mesmo acontecimento. MORTE E VIDA NÃO SÃO SENÃO UM SÓ! Na verdade, só há razões para dize-los separados, contudo, como bem devem notar, o que quer que “EU” seja agora, não deve parecer cabível de ser afirmado que possui qualquer resquício de razão, assim fica estabelecido que racionalizar estes eventos só nos leva a cultuar outros ritos que não o da morte propriamente verificada pela vossa experiência. Aqui é respeitosamente devido encenarmos com o escárnio trágico do teatro o que vós imagineis ser essa dança macabra que nos convida brutalmente a deixar de se animar, como um dançarino que logo que aprende os passos, começa a perder os fôlegos restantes que gastou para ensaiar a coreografia. O corpo não é sagrado, muito menos profano, ele antes é outra coisa que não ambos, corpo é uso de corporeidade enquanto se faz corpo, consumindo outras formas de se incorporar no mundo, e assim, escolher o fim mais desafinado que for possível gozar, Eros acompanha Thânatos. Entendam que é preciso uma dose letal de loucura para enxergar a harmonia num processo tão pútrefo ainda que desejemos adorna-lo com a mais pura decência estética que pensamos ser a limpeza estéril do sono sinônimo da eterna paz. A catalepsia sonífera é somente outra das inúmeras imagens que embelezam o movimento de dissociação entre aquilo que é e o que não é mais. Ter a coragem de aguentar o peso do devir é saber conviver incessantemente com a possibilidade de ir para aonde nunca se volta, por isso não nos cansemos de repetir amigos, BRINCAR DE VIVER É AINDA ENCENAR O ACENO DA MORTE! Não guardarei segredos nem mesmo promessas pois é provável que na leitura dessas palavras minha voz ainda possa ser escutada para dizer as besteiras que costumo vociferar pelos bares da cidade, mas não haverá boca para jurar os beijos, nem sombra para acompanhar os passos noturnos dos finais de bebedeira, será preciso levar a sério a possibilidade do desaparecer como fator de união na hora da desunião, pois é muito fácil, quiçá ridículo, expulsar com desdizeres quem a muito já partiu. É preciso que se recobre a lembrança dos que deixam escapar a própria angústia refletida no que pensam “EU” estar angustiando, à esses esquecidos fechados nas suas tristezas, que com certeza irão se defender com o argumento da piedade carente, na dor da falta e do sofrimento do hábito de estar, que agora só existo como memória em vocês, portanto, façam um BOM uso do que restou de mim, e não agoureiem outros com nostalgias tenebrosas de desesperança mesmo que a sintam escapar entre os dentes, antes pesem bem o filtro de momentos e selecionem somente aqueles que irão causar algo de além do que se quer, ou seja, não manipulem fragmentos de passados em punho sem antes tomarem uma boa dose de qualquer droga, pois para fazer em segurança as viagens ao póstumo há de se pedir licença a Dionísio e ao afago possuinte dos Orixás! No demais peço paciência nesse desencontro meu para convosco, que daqui não nos reencontraremos e no que de pior eu tenha feito, basta salvaguardar no canto dos anti-exemplos que garanto que no que pudermos dizer da totalidade da minha história de vida não são poucos. Sendo assim, nada de palavras macias para maquiar a sujeira da existência humana, e como penso que fui, humano entre humanos, é desse capítulo efêmero dentro tantos outros, que clamam ser a vida de Nikolai, que todos os meus contos sujos e sujantes merecem ser ouvidos no embalo mais sábio que eu já tive o prazer de escutar. SAMBEM OS CONTOS QUE A MORTE REVELA SEUS MISTÉRIOS! E não esperem ouvir verdades dela, apenas ouçam...que a partir daqui me deixo para vocês como sempre fui de ir.

NAMÁRIË