Para um Amigo de Direita: crise de autoridade

Meu caro, discordamos sobre muita coisa, mas concordamos em algo que nada me agrada saber. Somos dois dois idealistas. Você um liberal confiante nas instituições democráticas e no mercado. Eu social democrata crente que as políticas sociais seriam um projeto de nação e não um projeto de poder de um dado partido.

Tenho visto ao longo dos tempos de discórdia, que brasileiros, muitos até bem instruídos, têm enaltecido não só a ditadura como procedimentos jurídicos que maculam as instituições e a imparcialidade a qual devem zelar.

Meu amigo liberal, tenho dúvidas de que esta elite bem nascida e estudada seja capaz de conduzir este povo. Temo que nossos "melhores" sejam ainda insuficientes ou incompetentes para empreitada de desenvolver os potenciais humanos e econômicos do nosso país.

Não há dúvidas que os valores de um país sejam o fundamento de seus projetos e relações com outros países. Os Estados Unidos que você tanto gosta nasceu do amor a liberdade, ao empreendedorismo e ao trabalho. Tudo isto amalgamado e sacralizado pelo cristianismo protestante.

Não sei o que teria nosso povo para fundamentar qualquer progresso. Falta amor à democracia, à liberdade e ao trabalho. Concordo com você que o Estado esta mais para uma barreira ao empreendedorismo do que um agente regulador ou estimulador da economia.

Vejo que nossos grandes empresários são em sua maioria apadrinhados e apadrinhadores de políticos - sinto que eles seriam os primeiros a recusarem qualquer medida efetivamente neoliberal.

Vejo os intelectuais no Brasil que nem se destacam em termos de teoria, filosofia ou projetos políticos, e nem ajudam à própria sociedade a entender e discutir seus problemas e dilemas.

Meu caro, a música que nosso povo escuta, os programas que eles assistem na TV e o tempo que dedicam a leitura e a forma como lidam com a educação escolar nos remete a uma massa que infelizmente não tem condições de tomar as decisões importantes que precisamos.

Por outro lado, nossa elite, chamo assim aqueles que deveriam ter autoridade e competência para nos liderar, se encontra pouco instruída e inteligente. A ciência, a filosofia, a literatura, o cinema e o jornalismo que os interessam é de baixo nível. Péssimos indicadores internacionais e muito conchavo.

Quando vejo estes produtores culturais, intelectuais e científicos vejo um país dividido em infinitos bairros, panelinhas, conchavos, grupelhos, patotas e facções que falam de si para si e contra o outro. O povo aparece aí como um espectador, como público.

Temos uma elite acomodada que não exerce autoridade sobre os demais e temos um povo miserável do ponto educacional e cultural fácil de ser manipulado por demagogos. Nosso povo não tem líderes de verdade, mas vez ou outra é conquistado por oportunistas que não conduz o povo senão em direção ao benefício próprio.

Meu amigo, temo que tanto este distanciamento intelectual e moral desta elite em relação ao povo quanto a miséria material e cultural deste mesmo povo contribuirá para que políticos demagogos e autoritários ganhem espaço e o poder.

Esta relação de liderança é fundamental para integrar a sociedade. Desafio qualquer um a citar algum país que tenha superado crises ou avançado em diversos sentidos sem que uma autoridade tivesse se levantado para isto.

No Brasil temos elites, mas não lideranças genuínas. Exercer a violência, o desprezo e o abandono moral, cultural e material do povo esta longe de significar relação de autoridade. Enquanto aqueles que tiverem acesso ao poder e influencias se limitarem a liderança dentro de suas classes e categorias, o povo como uma massa desprezada encontrará os que exerçam esta autoridade - ainda que pra fins espúrios e pessoais.

Pra não estender demais, te dou exemplo da autoridade do professor. Se os alunos se encontram de tal modo defasados, terá o professor de ensinar o que em anos anteriores não foi ensinado. Terá que deixar o currículo da série para trabalhar coisas que não foram ensinadas anteriormente. Sua liderança se encontra em ensinar, mas não pode ensinar sem fazer o trabalho que não foi feito antes. Resultado disto: atraso escolar.

Da mesma forma, o povo não reconhece autoridade. O povo tem medo ou procura fazer sua parte para evitar problemas. Te digo que qualquer indivíduo que reconhece uma autoridade não precisa de castigos e punições para obedecer. Por isto temos muita polícia e muita lei e pouca efetividade em desenvolvimento.

Enquanto o povo for visto como gado pra levar para o abate e não como peça importante num processo maior teremos este cenário.

Sei que alguns tem associado esta política para o povo com o nazismo ou fascismo. Talvez devessem conhecer melhor os valores do povo americano e como isto fundamenta a força daquela nação.

Você nota como tanto o populismo de direita quanto de esquerda tem seduzido nosso povo? Tem notado como nossas elites não temem se envergonharem com corrupção, privilégios e ineficiência em tudo que eles põem as mãos?

Bem meu amigo, eis o problema colocado de forma clara. Se acha que este não é o problema, te peço que explique então estes mesmos fatos de forma melhor. Se reconhece este problema, o que pode ser feito além da resignação?

Espero que ainda possamos manter este diálogo longe do veneno do proselitismo e que possamos nos ver como duas pessoas com opiniões diferentes mas com uma paixão comum que é o nosso país.

Abraços

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 04/02/2018
Reeditado em 04/02/2018
Código do texto: T6245229
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