Não posso mais me preocupar, a ponto de deixar de viver os poucos momentos que me restam de vida.
Digo de vida plena, com consciência, com saúde mental e disposição para acordar e completar a jornada.
Os dias estão passando cada vez mais rápido e começo a sentir o peso da idade.
Já não me importo quando dizem que não aparento ter a idade que tenho, pois o corpo sabe e reage com dores e limitações.
A verdade sempre foi o meu forte, admiro a palavra sincera fluindo dos lábios, mas nunca disse que deveriam vomitar verdades como laminas afiadas, cortando por todos os lados, num doa a quem doer.
Minha fé em Deus é meu passaporte para qualquer lugar onde eu vou. Nem sei se poderia explicar as vezes que dormi morta e amanheci broto verdejante.
Eu tenho uma bagagem de ouro, tudo que contem nela é vida pura, é eterno.
Aprendi com minha família, coisas, mesmo quando não queriam ensinar nada, eu os observava. Jurei não cometer os mesmos erros que eles e queria muito ser mais que uma viajante neste mundo.
O meu erro foi justamente quando tropecei numa pedra no caminho e fiquei dialogando com ela todos os dias. Não se extrai seiva de pedras, e agora minha flor tem raízes presas nesta pedra. Maldita pedra! Eu pensei que era amor, o meu é claro, dedicando vida a pedra.
Num certo momento da vida eu pensei que poderia salvar o mundo, que só faltava união a uma causa de fé e renúncia. A religiosidade era uma raiz forte e abraçou a minha flor quase secando a alma. Nada disto é preciso, e eu perdi tempo, perdi meu precioso tempo de ingenuidade.
Fiquei por um tempo envaidecida com minha fama de boazinha e meu brilhante discurso de palavras cata fé. Eu conseguia a atenção deles e pasma eu ficava ao ver como eram frágeis e carentes de palavras, uma boa retórica os deixavam encantados por tempos. Alguns ainda dormem ao som do dialogo da chuva com a alma, acreditando que a enxurrada nunca os vão atingir. Bando de egoístas, não sabem que não podemos ser felizes enquanto a desgraça mora ao lado?
Quando penso no prazer que posso ter ao digitar letras que formam palavras e palavras que formam frases, frases que viram cartas, cartas que me revelam em ecos, eu fico novamente envaidecida pelo privilégio de ser uma alma alfabetizada.
Por falar em alma, tem dias que tenho vontade de dar um grito e desencarnar. Minha alma anda querendo trocar de corpo. Também tem aquele espelho grande no banheiro, toda vez que eu vou tomar banho, me vejo ali nua, sem graça, sem nada. Às vezes me assusto com minha tatuagem de borboleta nas costas, onde eu estava com a cabeça quando eu a fiz? Mas gosto dela, eu a escolhi. Pior são as cicatrizes que não escolhi, tipo a que tenho entre o umbigo e a vagina, aquela que foi aberta duas vezes, que poderia ser a saída de dois filhos, mas não, foi só um pedaço de mim que devem ter incinerado no lixo do hospital. Mas também vejo como graça alcançada, me livrou da dor de uma endometriose.
No rosto só marcas de espinhas e cravos, as rugas estão tão silenciosas como as folhas amareladas que caem discretamente das árvores. Mas e estes cabelos brancos? Tento não rir como louca, ao pensar o que seria de mim se ficasse por uns seis meses sem ir ao salão de beleza. Eu estou e sou velha.
Quando um rapaz me chama de tia, eu tento pensar que eu tenho lindas sobrinhas e não que eu seja tão tia assim.
Eu já tenho uma lista enorme de coisas que jamais farei, que jamais conquistarei. Eu sou melancólica e fleumática, sofro muito, mas coloco bom humor em tudo.
Eu não gosto de ilusões, comigo é tudo ou nada. Claro que vivo a maior parte da vida sozinha. Sou muito exigente e abro mão de coisas e pessoas com facilidade, desde que sejam felizes e não me atrapalhem a paz. Se gostam de mim, vai ter que provar e se não gosta, não perca tempo me iludindo, vejo de longe a hipocrisia, tenho um bom discernimento do bem e do mal.
Foi assim, usando este meu bom discernimento que dei conta da minha maldade. Eu já não sou mais a mesma, e isto me assusta. Será que a loucura é o meu próximo passo? Eu não posso acreditar que minha flor vai desgarrar da rocha e se ferir com areia no caminho. Eu em sã consciência, não chuto pedra. Sei que dói, eu sou inteligente.
Tem algo que eu pensei que jamais faria e fiz, e faço sempre. Eu escondo sentimentos. Aqueles que gente tem vontade de sentar a mão na cara de alguém, e fica ali com cara de paisagem, só para não ser internada como louca. Pois é, eu finjo ter lucidez.
Se algum dia eu escrever um livro, porque este sonho eu tenho, custa nada ter um sonho reserva. Eu vou dedicar um capitulo a loucura nossa de cada dia.
 
Simplesmente Sys
Enviado por Simplesmente Sys em 07/02/2018
Reeditado em 07/02/2018
Código do texto: T6247696
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