Carta de um só

Dizemos que agora temos um ao outro… mas verdadeiramente não é assim... continuamos sozinhos. Eu continuo sozinha, a estrada continua cheia de pedras, o peso das dores continua excessivo. “Comam e bebam juntos, riam e se divirtam juntos... mas jamais serão amigos enquanto não tiverem chorado juntos”. Nunca choramos juntos. Você porque chora em outros ombros. Eu porque procuro seu ombro pra chorar e não o encontro. Há um abismo ou algo do tipo entre nós.

Não tenho ninguém nessa cidade a não ser uma amiga, única. E por quanto tempo? Outras tantas pessoas têm aparecido em meus dias... dão a doce impressão de estarem comigo... quase me iludo em achar que não estou tão mais sozinha. Mas nesses momentos (cada vez mais frequentes) de angústia, a verdade se espatifa contra a minha cara: não tenho mais ninguém.

Passar pela vida continua sendo duro. E você não está ao meu lado, nem eu ao seu. Não estou porque você não deixa... não está porque não está... nunca esteve. Temos comido e principalmente bebido juntos... temos nos divertido, temos misturado nossos corpos e sangues. Mas jamais nossas vidas.

Pareço ser para você uma espécie de urso de pelúcia que enfeita sua cama e preenche o canto vazio dela quando as outras poesias saem de feriado. E tenho feito de você um amigo e uma metade outra de mim que, em verdade, ainda não é. E temo que não haja tempo para tornar-se.

Vejo você sempre buscando mudanças. Tudo em sua vida o tempo todo tem que mudar. Um desespero pelo novo. Um desespero em olhar sempre para o dia anterior e não se reconhecer. Sobrará espaço nessa dança dos seus dias para algo que dure?

Tenho visto em minh’alma sua imagem indo, indo sem mim. Não posso contê-la, não pretendo tentar. E eu que me perguntava se conseguiria levar adiante por longo tempo essa prosa... vejo que o ponto final chegará bem antes de um capítulo completo... mas não sairá das minhas mãos. Exatamente desta vez, não sairá das minhas mãos.