Hoje, vou vestir você

Há dias você enche meus pensamentos e minhas mãos - de forma bem parecida. A culpa é daquela camisa que você esqueceu aqui em casa.

O pedaço de pano todo enrolado na gaveta passou desapercebido junto com as outras coisas. Assim que vi, percebi que não eram apenas as minhas alucinações que invadiam o quarto, a cozinha e a área de serviço.

Seu cheiro estava impregnado no armário, no tecido do sofá, no cabo das panelas e na cordinha do varal. Você era presença obritória em todos os cômodos e na maior parte dos pensamentos.

Um intruso quase palpável, perfeitamente sensível. Volume e rigidez numa camisa vazia. Calor e arrepio num toque imaginado.

Não era por acaso que partes tão diferentes de um apê de 200m² materializavam você. Nós passamos por cada um dos cantos - e exploramos todas as nossas esquinas.

Se arredarem o sofá, verão as mãos que fiz questão de não limpar. Se olharem por baixo, encontrarão manchas suspeitas no tapete. Se prestarem atenção aos lados... Seguirão o rastro do rasgo que começa na cortina, passa pelo sofá e termina em nós.

Meus braços, ainda marcados, combinam com os fios libertos dessa blusa estragada. Hoje, vou vestir você. E só você.