A caixa e o robô

Hoje de manhã, umas dez eu acho, vi uma cena surreal. Uma moça, aparentando uns vinte e cinco anos, lavava seu carro na calçada, cantando e feliz da vida. Conversava com alguém, que respondia com uma voz robótica. Pensei logicamente isso no início. Creio que ela não havia me visto. Ouvia um barulho, tipo estouro, forte e estridente, muito assustador por sinal. Me escondi atrás do muro do jardim próximo de onde eu estava.

O que vi em seguida tenho certeza absoluta de não se tratar de algo humano em hipótese alguma. O automóvel, um furgãozinho com alguns anos de uso, se transformava num robô de uns quatro metros de altura. Ele se encaixava e desencaixava, em inúmeros movimentos que não sei e não conseguiria descrever. Era como se um robô surgisse de dentro do veículo. Tudo não durava mais que uns segundos, uns quinze no máximo. Peças se encaixavam e desencaixavam, em movimentos simultâneos.

O robô tinha uma cor azul-escuro, e umas poucas peças vermelhas, como o pé e tipo armas nas mãos. O vidro dianteiro formava uma proteção, como uma touca, pouco acima da sua cabeça. As portas formavam asas em suas costas. Dava até para ver o tecido que forrava internamente o interior dessas portas.

A face desse robô gigante era outra coisa que tenho dificuldades em relatar. Seus olhos eram duas peças de vidro, que emitiam uma luz fraca, num tom entre azul e verde. Sua face mexia enquanto falava, embora num meio termo entre rigidez e flexibilidade. Existia uma fisionomia humana, apesar da enigmática forma robótica. Em seguida, ele ajoelhava em frente a moça, respondendo a algo que ela perguntava. Em tom de brincadeira ela esguichava água pressionando a mangueira no peito dele, que era o capô do furgão, até a sua cabeça e rosto. Ele sorria, com a água escorrendo entre seus muitos cantos. Dava para reparar as muitas engrenagens nas articulações de seu corpo. Estranho esse monte de motores quase não emitirem barulho. Outra coisa era a facilidade em se movimentar, apesar de seu peso e tamanho.

Analisando melhor a situação, vejo que ela o considerava, por incrível que pareça, com um virtual namorado. Algo me dizia que existia mais que um monte de ferro naquele ser enorme, metalizado. Não o via como uma ameaça, embora se quisesse acho que ele o poderia ser. Não parecia indiferente ao ambiente. Se fosse compará-lo a uma pessoa, acho que seria aquele amigo da infância, imaginário, pronto para as mais alegres aventuras que uma mentefértil e apta poderiam vivenciar. Ele lembra também um cara grandão e alto, que sabia dosar seus dotes. Seu sorriso metálico, que parecia duro e frio, parecia ser um pontinho alegre num mar de sobriedade.

Observando seu rosto, feito de um material curioso, tentava desvendar sua idade. Era bem maior que a de qualquer ser humano, sem dúvida. Era bacana ver aquela cena, ao qual me dava uma sensação boa. Me sentia a vontade de ver os dois ali, papeando, distraídos.