Ao acorde jamais tocado

Durante toda minha vida, meus dedos não foram treinados a executar certos movimentos finos. Quando decidi aprender a tocar violão, não fazia ideia de como essa falta de jeito poderia me impedir de te alcançar, afinal você foi responsável pela minha decisão de aprender. Eu achava que, assim como eu havia sobrevivido a tocar outros acordes, você seria naturalmente aprendido. Talvez eu devesse ter contado também com a sua necessidade de controle e com sua dificuldade em ser frágil, mas eu te via e ouvia com a perfeição dos sons, cada nota num conjunto precioso, e apenas me deleitava te ouvindo, não reconhecia suas dificuldades em se deixar tocar.

O tempo passou bem rápido e meu encanto aumentou, não diminuiu. E se escrevo agora essa carta meio atravessada é que nada mudou ainda. Eu tentava novas formas de te compor, aceitava uns arranhados como execução e ignorava que você precisava ser sentido e compreendido. Um acorde tão divino não estaria disponível para uma pessoa com dedos tão calejados era sempre a conclusão óbvia a cada tentativa fracassada. Se fossem os calos esperados do violeiro, talvez você (e também eu) percebesse como parte do processo, mas meus calos eram nas articulações, eu não sabia como me posicionar e, como me disse meu professor, me faltava confiança. E continua faltando.

Eu percebo essa minha total falta de confiança, e as pessoas à volta parecem também perceber, mas será que você percebe? Será que sente a minha resistência ao fazer o salto entre o momento anterior ao ato de colocar os dedos no braço como falta de vontade? Como desinteresse? Será que não compreende que a sua composição plena me deixa com medo e que a falta de treino com esses movimentos é que torna tudo difícil? Ou será que percebe tudo isso e gosta de ser inatingível e toda vez que pareceu quase se deixar tocar eram troças com a moça atrapalhada?

Nunca terei uma resposta, afinal acordes não falam, não é mesmo? No máximo ignoram e assim permanecem no Olimpo inalcançáveis. Quem sou eu para dizer que talvez esse comportamento tenha impedido uma boa parceria. Sou apenas a moça com dificuldade na coordenação motora que talvez tenha desistido para sempre do violão por causa da incompreensão de um acorde jamais tocado.