Coruja de Minerva

Caríssimo,

Venho diretamente do futuro servir-lhe de oráculo acerca dos acontecimentos que marcarão sua vida dentro dos próximos dez anos. Assim, pretendo revelar-lhe, de maneira sucinta, seu destino decenal, enfatizando as intercorrências mais significativas do período. Sem mais delongas, vou logo ao que interessa: sua vida vai virar de cabeça para baixo.

Sei que tal afirmação pode assusta-lo, é compreensível, mas não escrevo dos confins da máquina do tempo para incutir-lhe medo; o que almejo, na verdade, é prepara-lo para o ápice do seu desespero, semeando a resiliência o quanto antes a fim de que sua chegada não elimine a colheita por inteiro. Além disso, escrevo-lhe como uma forma de resgatar e preservar a esperança em você, já que ela atingirá níveis alarmantes de escassez. Portanto, asseguro-lhe: tudo vai ficar bem no final – da década, pelo menos – muito embora o caminho até aqui seja excruciante e cáustico.

Para começo de conversa, a chegada da maioridade vai exacerbar seu caráter inseguro e pusilânime, trazendo-lhe sérios problemas ao entregar em suas mãos as rédeas do próprio destino. Num primeiro momento, já adianto, não fará a menor ideia do que fazer com isso, vagando duma rota a outra sem saber onde aportar. Com isso, um inquietante ceticismo existencial passará a governa-lo, aniquilando todas as suas certezas e diluindo todo o seu conjunto de valores. Desta dúvida constante, surgirão decisões inconsistentes e fluídas, as quais retroalimentarão esse processo de naufrágio interno.

Bom, deu para sacar que esta década não será das melhores, certo? Mas tem mais. Seu referencial será a morte, a qual, multifacetada, manifestar-se-á de diferentes modos (físico, emocional, filosófico, espiritual, etc.), assistindo de camarote sua luta pessoal pela sobrevivência, cada dia mais difícil, a culminar no ponto da derradeira desistência. Basicamente, o acúmulo das escolhas erradas, porque alienadas, somadas ao peso do passado, carregado exaustivamente, farão com que você se afogue num mar de culpa e saudosismo. De repente, nada mais fará sentido e o vazio da rotina o impelirá à inércia, desejando do fundo de seu coração que ele pare de bater. Ficará com a impressão de que nadou, nadou, nadou, para então morrer na praia.

Expectativas virão abaixo e sonhos serão enterrados, até porque, no fundo, eles nunca foram verdadeiramente seus. A falta de autenticidade dos próprios desejos, silenciosamente mascarados durante todo esse tempo, revelará o lado negro do altruísmo: servir exclusivamente aos outros é um subterfúgio à ocultação de si próprio. Digamos que você foi um mestre nisso, meu caro. Só que, no final das contas, percebeu da pior maneira possível que a completa subserviência aos outros redunda no inevitável desconhecimento de si, tornando a pergunta cabal ‘quem sou eu’ um assombroso tormento. Para piorar, as respostas dadas a ela só vão indicar caminhos de projeções e idealizações externas, frutos do seu medo inconsciente de volver o olhar para dentro e se deparar com a própria natureza – muito diversa de tudo que o ensinaram.

Enfim, fato é que uma década devastadora está à espreita. Logo menos, quando der o primeiro passo para além do ensino médio, certamente reconhecerá o conteúdo desta epístola. Mas lembre-se: tudo isso vai passar. O sofrimento parecerá infinito, apesar de não ser; tomará consciência disso justamente quando chegar no seu limite. A partir disso, reinventar-se-á e entrará em sintonia consigo, transformando sua realidade de modo a aproveitar as fezes de outrora como adubo à plantação de agora. E então, paradoxalmente, do nada surgirá o tudo – outra vez...