Carta de um Inimigo

Corres como um mar a mim, e recebo-te como a um golpe do acaso! — Ave à alegria!

Cria que não ouviria mais da tua boa sorte, da tua boa fala. Novamente, descreves-me bem, já sei por muito que sou ulteriormente pesado contra mim. E, sim, como nós sabemos, isto é ditame em nossa escola da desconfiança: os que se detestam na vulgaridade procuram a edificação na beatitude, pois que é a natureza última das coisas, — mesmo àquelas que mentem para si —, procurar pela protuberância e a potência de si.

Entretanto, crer que te divertirias tanto quanto a mim ao golpear o teu animal amigo foi deveras parvo de minha parte. Sabes que tenho um gosto enorme pelo horror e pela tragédia. Mais, na intenção de potência, ter-me como o herói; não como a coisa que verdadeiramente sou, o poeta. Ser espírito e não o trovador de espíritos.

Bem, jogado às minhas particularmente venenosas garras, tão ao espetáculo da Fortuna, tenho também erguido aqui e ali a especial Aurora. Isto me tem posto a rir! Por vezes encontro uma seção ou outra que parecem dizer a mim. Sempre o indivíduo que busca aquilo d'ouro, seja pela pacífica via do alegre como a do certame, mas verdadeiramente um ser de fome. Vou deturpando a tudo sob minha voracidade para me ter bem mais alto. Tenho angariado assim, pelo motivo de louvor ao Belo, não minha armadura, que perdi em antanho, mas as armas da minha guerra, meu fogo cardíaco e meu trovão de garganta. Para tanto, feri minha língua à caluda para que gritasse! Estou, por fim, reerguido! Demoníaco! Prevaricador! E talvez mui longe de te reconquistar o apego.

Porém, no conteúdo desta mistura, das minhas armas e da Aurora, talhei algo pequeno, e pensava em ti quando o fizera. Vai adiante então:

[Enviei "Minha Aurora"]

Tenho escrito muito e estou musicalmente fértil, por vezes, prenho. Mas, para que não percas o tempo ouvindo destas bobagens, gostaria de te dar uma daquelas minhas verdadeiras mentiras. Venha bater à minha porta sempre que tiveres nada melhor para fazer, mesmo que seja para dizeres que me detestas. Aliviarás sempre o meu coração.

De teu inimigo do peito, um fundo abraço,

Henrique.

H Reis
Enviado por H Reis em 29/01/2020
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