O DESENLACE

Nadir Silveira Dias

Agora é noite. Chego do trabalho e ponho-me a pensar que as coisas continuam não indo bem, no estrito segmento a que agora me dedico, apesar de todos os esforços bem empreendidos a vida toda.

E as palavras que ouviste de mim dão-te uma idéia clara, precisa, creio, de que eu preciso sair disso em que me meti.

Não sem parcimônia, acabei entrando na tua guerrilha. Na guerrilha de letras, de palavras, de poeta experimentada que és. Levaste-me para o teu campo de batalha, para os teus domínios e, claro, só podia perder. E os seres não gostam de perder. Ninguém gosta de perder. Eu não gosto de perder!

Em uma dessas ocasiões dei-te uma pista de que também ia fazer guerrilha. Porém, não quero isso não. Nada do que te disse ou te escrevi deixaram de objetivar o teu bem, o nosso bem, o bem de todos nós.

Ainda que possa parecer duro – não é a ti que o digo – exclusivamente – é triste constatar que o irmão do gênero feminino – a mulher (mãe e filha, na medida em que toda mulher será mãe para um homem e este sempre um pai para a mulher, numa visualização antropológica e crística) sempre aspira para si um homem bom, bom, bom, assim e assado, bonito, bonito, bonito e..., mas – não raro – se encanta, se liga, se vincula, a um homem que é exatamente o contrário disso, embora às vezes até bonito, senão crápula, canalha, ou um que não presta, ou que presta menos perante outro qualquer pelo qual poderia ter optado, escolhido, com melhores perspectivas, mas não o fez, e as razões ... ah, estas serão múltiplas e variadas e, não raramente, cariadas.

Em suma, e longe de pensares que eu possa estar dizendo que te encontras nesse enquadramento, pois sei que és diferente, ainda que tua história não destoe muito das tantas que a vida já me deu a conhecer. Em síntese, dizia, linda companheira de jornada existencial, o que quero te afirmar é que não posso mais beneficiar-te com a minha bagagem intelectivo-existencial (ainda que mínima para o próprio padrão mínimo que almejo e as próprias aspirações de crescimento e desenvolvimento que persigo) e não porque não queira, já sabes que o quero, mas porque estou cansado de ser “bonzinho” - não que aspire a ser “mauzinho” - mas tampouco ser “tolinho” de modo a que outros usufruam o proveito disso, desse trabalho de relação que eu acredito devesse ser um efetivo lugar-comum entre as criaturas. Mas, primacialmente porque me fazes frágil demais – isso perante a minha própria carência – que preciso – bem o sabes – suprimir.

Ah, cara irmã! E para uma sociedade em que as mães tem praticamente cem por cento de certeza de que não vão casar as próprias filhas, seja porque elas não queiram mais casar, ou porque elas não queiram mais esperar a idade em que a lei diz que elas podem ter homens para casar, seja ainda porque existam menos duzentos mil homens do que mulheres - não existam, portanto -, segundo o último censo, neste Estado, penso que talvez seja muita pretensão da estimada companheira de letras querer impor casamento como se fosse uma vestal (sacerdotisa de Vesta, entre os antigos romanos, casta, virgem) ou uma ninfa (divindade de rios e montes, na mitologia grega).

E isso quando todos sabemos que a lei (mesmo a religiosa ou a mitológica) ou a própria lei civil feita pelos homens que não permite o casamento de mulher menor de dezesseis anos, não possa impedir que sejam parturientes aos nove, aos dez, aos onze, aos doze, aos treze anos, e por aí em diante, como comprovam as estatísticas do Hospital Fêmina, em Porto Alegre, em tua própria cidade, a querida Salvadorinho, não é de ser diferente, enfim, em qualquer estatística de qualquer hospital de qualquer um dos seis mil municípios deste amado – Salve, Salve – Pátria Amada, de quinhentos anos, Brasil, onde existam hospitais e ... estatísticas, e ainda que elas também não sejam imperiosas para essa constatação, pois a contundência não carece de estar retratada nos números. Vê-se a olhos nus, sem maior necessidade de olhos de ver ou de ouvidos de ouvir.

Ah! Cara e amada irmã. Não tenho nada contra o casamento civil ou o religioso. Até porque não acho moças para casar, na idade em que a lei civil diz que elas podem casar. E isso me impõe o ônus, o gravame, o dano, de viver há mais de dois anos sem o beijo, sem o abraço, sem o amor físico de uma mulher (e nem se fale no transcendente, metafísico, espiritual), pois não quero bocas e corpos que já tiveram bocas e corpos que nunca se poderá sabê-lo com que grau de vulnerabilidade ou qual seja ela (ou uma delas, de tantas que há), senão depois de constatá-la.

E isso, caríssima, num Estado-Membro da Federação em que o último censo, em caráter oficioso, apresenta quase duzentas mil mulheres a mais do que homens.

A estatística é aterradora. Não parece isso também à prezada e mais que amada irmã de letras, da estimada e bucólica Salvadorinho?

Resumindo, almejo que as tuas brumas se desfaçam num claro raiar de um tempo em que tuas idéias possam, realmente, prevalecer, pois nesse que ora vivemos, só terás – salvo juízo melhor – a enganação que todas sempre encontram – ainda que sem querer.

O bom, no entanto, é que daqui a vinte anos poderás examinar estas palavras e cotejar o quanto ganhaste, o quanto perdeste, o quanto ganhei, o quanto perdi, o quanto ganharam, o quanto perderam todos.

Com o amor e o carinho de ser etéreo, universal, e sem poder deixar de ser meramente palpável, individual, não esquecer que “errare humanum est, sed in errore perseverare dementis” – “Errar é humano, mas persistir no erro é insensatez.“ (Cicero).

E, sendo certo que é descanora como a mudez do mudo e a morbidez do moribundo, torna-se mais do que claro ter-se presente, ao menos por altivez, que morta a esperança posta, o jeito é fazer outra nascer!

Publicações anteriores:

“O Desenlace” (pp. 166-8) in Seleta de Versos e Prosa, Vol. 15, da Associação São-Luizense de Autores, Asas, do 11º Concurso Asas/Borck, Verão de 2001, 172 pp., Editora Borck, São Luiz Gonzaga, RS. Exemplares recebidos no CPERGS em Porto Alegre, em 07.11.2002.

“O Desenlace” (pp. 80-2), e in Partenon Literário, O Regionalismo no Partenon Literário, Edição Comemorativa dos 135 Anos da “Sociedade Parthenon Litterario”, 1868 – 18 de junho – 2003, 124 pp. Impressão: Editora Evangraf, Porto Alegre, Lançamento em 18.06.2003, 10h. na Câmara Municipal de Porto Alegre.

“O Desenlace” (pp. 233-4), e in Eros e Outros Temas, Coletânea de Poesias, Contos, Crônicas e Artigos do VII Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas, da Associação Artística e Literária “A Palavra do Século XXI” – ALPAS XXI, Cruz Alta, RS, 272 pp., Scortecci Editora, São Paulo, SP. Lançamento no Café Concerto da Casa de Cultura Mario Quintana, em 05.07.2003, às 19h., Porto Alegre, RS.

Nadir Silveira Dias
Enviado por Nadir Silveira Dias em 09/11/2005
Reeditado em 16/11/2005
Código do texto: T69021
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