Resposta à Canção

Uma boa noite se lês pela noite,

Fico duplamente encantado que, não somente me tenhas lido, como comentado com extensão minha canção. Estás mui correta em creres que tenho há muito tragado mal por escrever sem cuidado quanto a minha rebusquez. Muitos me vieram dizer, como tu, que sou muito bruto em meus textos e os torno espinhosos por volúpia, afastando quem não sofre do meu vezo. Em verdade, houve certa artificialidade evidente quando a cantei ao violão, — provando tua preocupação!

Afastamento e verborragia, talvez não haja qualquer reprimenda bem intencionada que salve estes problemas. Também levantaste a possibilidade de que eu queira fazer com que os leitores mais destemidos se deem aos dicionários e adquiram eles certo grau de vocabulário, o que poderia ser uma possibilidade. Entretanto, permita-me uma apologia.

Vê, realmente não gosto de escrever aos poucos, muito menos aos dicionaristas! Não faço educar com aquilo que crio, pelo menos não deliberadamente. Tendo isto em vista, creio que passo por maldoso com as minhas artes e o meu posar. Mas vê o outro lado, o hermético-estético de assim fazer.

Quando estamos ainda nos fundamentos de nossa educação literária, como é comum a todo o gênero da Educação em seus primeiros anos, aprendemos por aproximações, identificações e conjuntos, nos quais, o enfoque na faculdade analógica, por substituições, é largamente pregado. O proselitismo nisto favorece nossa mente ainda em seus primeiros passos a adentrar qualquer campo, é algo genuinamente eficaz. Tão somente, o proselitismo nisto, sem que nos seja advertido seu veneno, far-nos-á crer em sua totalidade e supremacia quanto a qualquer outro método, assim como poderíamos logo inferir a tolice ou uso simplesmente florido das parábolas e dos símbolos específicos encontrados na Poesia. Isto mesmo é verdadeiro, quando dizemos de qualquer outra arte, seja ela estética ou epistêmica. Nesta nossa religião da Educação, toda forma de heresia soa primeiramente como tolice, logo, pecado, algo imoral e repreensível.

Por que deveríamos manter quaisquer necessidades por precisamento e minudência, principalmente quando estes se catapultam de arcaísmos e desusos? Quem nos lerá? Os mortos? A resposta é algo bem simples, mas a leve como uma mentira minha e desculpa o péssimo senso de humor.

Bem, agora e aqui, não como músico nem místico, antes mesmo de homem, ofereço-me como escritor. Como escritor, ofereço-me como escultor! Tenho minha pedra mármore à mão, meu papel, e minha talha, minha caneta, juntamente, o espírito cruel de artesão. Pois que hei de ferir a natural coisa para que esta distorça e se conduza sob minha vontade. Posso dela fazer inúmeras formas, até mesmo a pintar se deste mal eu me acometer. Ora quero que vejam o que exponho, o esculpido papel; quero mostrar suas formas pitorescas que tanto me atraem; quero que desfrutem de cada uma das maldades que fiz em nome da Arte! Mas, — e isto pergunto ao meu coração —, por que fiz cá uma curva e acolá um vergão? Quando cometi este crime, do que eu sofria? O que me levou a esta maldade? E por que me alegro ao rever o ser-em-ato?

Sinto pela anedota, mas há algo aqui. Se tomarmos agora a obra que leste em consideração, por que eu escolheria a imagem dum aríete frente a uma estupa, por exemplo? O aríete é propriamente um "carneiro", um "bode", ou um instrumento de cerco que, no exemplo, desafia uma estupa, uma fortificação de cunho sagrado ou religioso, por vezes, um mausoléu, a casa de uma figura anterior. Mas há mais, Áries é um símbolo antigo, como o encontrado na Astrologia (também algo próximo ao nome de um deus heleno, uma possível relação), algo que representa a clássica visão de energia masculina, como algo de guerra, ação, penetração etc. — o aríete mesmo possui conhecido formato fálico. A estupa, por sua vez, é construída, até onde conheço, como uma torre, outro objeto fálico, porém de reverência, de proteção, de amuramento. O que exibe esta imagem é uma tensão entre posições contraditórias, duas identidades masculinas, que estão em embate, a arma de guerra e a figura impassível. Somente neste verso, apresento-te um dos tópicos da canção, esta que, como já sabemos, leva o nome de "Armadura Sexual". Adiante, todo o texto leva um conjunto de expectativas e ideias que contradizem ou alimentam a factualidade do gênero masculino, seja diretamente apontando ao sexo ou mesmo à idealização da figura que é classicamente suposta por insensível ou infalível. Entretanto, seguindo os motivos do estilo contraditório, não há um protesto firme quanto ao fenômeno, no lugar, a realidade do ser, que sofre com aquilo que é, mas não pretende se renegar.

Esta é a capacidade hermética e estética de se usar palavras simbólicas! Verdadeiramente, algo que pode ser maçante, levando até ao cochilo, mas aos poucos que têm o coração aberto e curioso, possibilidades de abismo, isto é, que não dá pé — nem a pata.

Por fim, como de costume, posso estar completamente enganado e dizendo minhas abobrinhas. Não é difícil imaginar que não tenho este todo esmero ao formular meus textos! Pelo contrário, creio que a composição trágica, que recolhe a racionalidade a sua subserviência à natureza, é a de maior excelência! Mas como adverti, tome a isto como uma mentira!

Agradeço novamente por me escreveres! Sinto pela demasia textual! Um abraço,

Henrique Reis.

H Reis
Enviado por H Reis em 01/05/2020
Reeditado em 17/05/2020
Código do texto: T6934509
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