A  Alma Penada e  o Cemitério –  Cartas ao Tempo – Narrativas Pessoal e Familiar
 
Minha mãe era uma contadora de casos: adorava narrar  histórias que o seu Desterro do Melo lhe proporcionava.
 
Dizia ela que, às vezes meu pai chegava tarde. A energia elétrica da recém-hidrelétrica instalada, “Chiquinho Ladeira”, para a produção de laticínios era ruim e mal iluminava.  Meu pai tentava acender fósforos para  encontrar a fechadura. 
 
A casa da fábrica de  laticínio ficava próximo ao cemitério.  Por isto tinha uma “Alma Penada” que vagava errante e não deixava o palito de fósforo aceso. Apagava. Meu pai do lado de fora tentando entrar achando abertura da fechadura para enfiar a chave.  Ela, minha mãe, do lado de dentro tremendo de medo da assombração. E era aí que ela começava a rezar com seu rosário na mão para as almas terem descanso e a Senhora do Desterro lhe atendia. O fantasma condenado encontrava por àquela hora descanso e meu pai prontamente conseguia entrar no lar.
 
Morar próximo ao cemitério era um desafio. E por isto ela gostava era de morar na “Casa do Tanque”, no outro extremo da rua.  Desafio para os adultos morar ali onde o horizonte era o muro do mal-agourado lugar, mas alegria para as inocentes crianças, meus irmãos.  Uma de minhas irmãs, já adulta, teve problema de pele. Minha mãe diagnosticava: “isto é porque ela ficava brincando, lá no Melo, no meio das sepulturas e túmulos, ali era enterrada gente até com lepra”, concluía sua observação. 
 
E tantas outras histórias ela contava nas tardes de domingo ou quando surgia oportunidade. Ela se reunia com seus irmãos, o Tinico, sobretudo, e seu sobrinho, o Lilito, outros contadores de história de assombração, teciam colchas de retalhos de casos melenses.
 
Ela dizia que a casa da fábrica, além de alma penada, tinha muitas cobras... Aos montões.
 
Ah, e quanto  ao número de cobras  fico aqui imaginando se eram em tamanho número assim. Se forem, a razão se dá por ser um animal comum naquelas costas da Mantiqueira, na Serra da Conceição. E depois, minha mãe aí se enganava ou era só mais uma hipérbole como tanto gostava de imprimir exageros nos casos de boa mineira que era. Ela dizia, por exemplo, que as cobras apareciam por causa do soro do leite que a fábrica produzia e desprezava. As serpentes iam para beber o soro.  Ela só se  esquecia de considerar que as tais víboras estavam era atrás de roedores que superabundavam por causa dos inúmeros queijos produzidos.
 
A Casa do Tanque era onde hoje funciona a Escola Estadual. Ou isto seria apenas mais uma invenção da memória de minhas irmãs?
 
Ah, o sobrenome da família de meu pai registra ora Silva ora de Paula, mas sempre Lisboa com ou sem circunflexo: Lisbôa. Já ouvi minha mãe dizer que ele, meu pai dizia, que Lisbôa é apelido dado pelo povo do Melo. Por ele, Paulo de Paula Silva, ser filho de gente lá das bandas de Ibitipoca onde os pais registravam seus “filhos legítimos” no cartório de Ewbank. Vá  lá saber! Toda oralidade e suas entrevistas são  sempre ângulos de vistas que a memória preenche.
 
Meu pai gostava de pescar. E todo pescador engorda seus peixes.
 
Ah, na foto que ilustra esta crônica se vê a alma penada na referida casa.
 
Um dos atrativos turísticos de Desterro do Melo, como se registra na Wikipédia, acontece no “Primeiro domingo de Novembro - Baile do Kaphona”.
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 21/08/2020.
 
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de 19 de Fevereiro de 1998.
 
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 21/08/2020
Reeditado em 21/08/2020
Código do texto: T7042091
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