Lajes, 22 de outubro de 2020

Prezada Estela, 

Cumprimento-a, em passagem, desejando bem-estar e apreço. Embora nossa última interação embrenhou-se em gritos e hostilidade, vejo-me na obrigação de conservar um espírito desarmado, pronto para seguir em frente. Depois daquilo, um pesar gigantesco tomou conta do meu ser, chamando-me à real do quão nos perdemos, desgraçadamente, por meio de uma vida infeliz e cheia de frustrações.

O motivo do contato não tem a ver com a busca de um acalento, como se quisesse contemporizar o adverso estado. Isso é impossível. Escrevo-te na intenção de anunciar minhas preocupações em relação a Elisa. De fato, entre mim e você, finda-se uma relação marcada, principalmente, por muita insatisfação. Tínhamos tudo para encontrar a felicidade, mas deixamos nos sucumbir por nossos medos e vaidades. Já Elisa, bem, ela precisa ficar à margem disso. Continuaremos sendo os pais dela e acho viável mantermos a amistosidade em voga em nosso trato.

Criar-se, portanto, um laço apertado perpassando o limiar dos aspectos inerentes à nossa filha. Sobre ela, a saudade inunda o coração. Temo, constantemente, ser um pai ao estilo do que tive. Nessa cisão, com a saída imperativa de casa, voltando-me ao aconchego de minha mãe, em outra freguesia, imputa-me uma distância dilacerante de Elisa. Veja, são apenas dois dias, e cá estou eu completamente entregue.

Contudo, estou tentando internalizar o contexto e entender, dentro de uma perspectiva normal de mundo, tais acontecimentos comumente da horda humana. O arranjo, cedo ou tarde, irá se estabilizar dentro das condições desejadas. Em tempos de turbulência, o recomendado é ir ao encontro de medidas sensatas, abandonando a ansiedade e mirando-se em desfechos mais produtivos. Assim, seguindo esse viés, estou procurando a calma frente ao panorama incerto, afastando, assim, o desespero.

Ao passo da narrativa, rogo à sua compreensão no sentido de criar possibilidades condizentes aos meus objetivos. Seria imensamente penoso para mim a indisponibilidade do convívio com Elisa. Uma vez sendo saudável o contato paternal, não nos furtemos em fortalecer esse vínculo. Caso haja algum empecilho entre você e eu, superemos; com vista a uma finalidade mais nobre e mais importante: o contentamento da nossa Elisa.

A compreensão desse ponto nos permitirá o alcance de dias mais calmos e de paz. Sem dúvida, em algum momento, tivemos bons ensejos. Entretanto, perdemos a funcionalidade como casal. Ainda pode existir amor, confesso, mas esse sentimento é irremediavelmente incapaz de unirmos, pois, o degaste e o cansaço são maiores. Adiamos esse término por longos anos, sempre na esperança que as coisas melhorariam. Foi ilusão pensarmos assim. E por temer rompermos a linha do respeito e acabarmos como inimigos, decerto a separação foi a solução para o caso.


Me despeço, desejando positividade para a sua pessoa. Obviamente, poderia ainda dissertar mais e mais sobre aquilo que é cativo no meu peito, mas opto por parar. Conversaremos, penso, numa outra oportunidade; e alinharemos as demandas de acordo com os interesses. Em outrora, tentaríamos compreender, com assertivas inverossímeis e palavras rasas, tudo isso para escondermos detrás dos receios criados por nós mesmos. Hoje, no entanto, o despertar já veio. De uma forma ou de outra, saibamos conduzir nossas vidas de agora em diante

Até logo!

Luís Carlos