Partidas - Carta terrena

Uma carta fictícia:

Minha querida noiva,

Somente tu compreendes a minha dificuldade em expressar o que sinto, e és a única que ainda entende quando escrevo algo e lhe entrego para ler. Sendo assim, peço que ouças o que tenho a lhe confidenciar.

Há momentos na vida em que nos confundimos com certas palavras. Seus significados se misturam e nos enganamos no processo de vivenciá-las.

Pegue o exemplo da partida, cara minha. Partir nunca é fácil. É comparável a quebrar-se ao fazê-lo. Daí a semelhança da palavra nas duas formas verbais do infinitivo. Partir-se, deixando um pedaço seu e levando o resto consigo, faz parte da partida. Repartido, nos parece que somos menos do que éramos. Porém, partida pode ser crescimento. Movimento de vida. Só não é movimento se ficarmos a partir. Pois a partir do momento que decidimos não partir, nos distanciamos de nossa essência de sempre nos renovar.

Agora tu deves estar se perguntando o motivo que eu tenho para lhe dizer tudo isto. E a resposta que eu tenho é simples: agora você já pode partir.

Como eu já disse: “partir nunca é fácil”. Saibas que, por mais que insistas em ficar, já há um pedaço seu aqui. Não só em mim, mas em cada um que lhe conhece. Mas não quero que se esforces em permanecer, pois isto só lhe causara dor.

Não haja como se eu estivesse falando bobagens. Eu sei que é do seu desejo nos deixar. O que ainda lhe impedes é o fato de que não queres causar sofrimento a ninguém, principalmente a mim. Pois vou lhe provar que estás enganada:

Sabes aquele pedacinho teu em cada um de nós? Fará-nos crescer a cada dia após sua partida. Assim que partires, uns lamentarão sua ausência, outros enraivecerão sem nem ao menos ter motivos. No começo parecerá a nós que tudo é neblina. Mas nossa lembrança tua iluminará o nosso caminho. Este será o “movimento de vida” que citei há pouco. É necessário, cara minha.

Eu já me encontro conformado, pois parece a todos que eu terei mais a perder com a sua partida. O que não posso me conformar é em vê-la martirizando-se em permanecer se já pertence a outro lugar. Um lugar que você sempre tentou me convencer de que é um lugar melhor. Agora tu não queres ir para lá? De forma alguma permitirei isto.

Finalizo esta carta dizendo-te tuas próprias palavras: “Quando o trabalho já estiver concluído, é hora de se juntar aos que tanto nos deixaram saudades.”.

Do seu noivo.

Do nosso cantinho terreno, 20 de agosto de 2019.

Gustavo Alves Ribeiro
Enviado por Gustavo Alves Ribeiro em 23/10/2020
Código do texto: T7094585
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