Você já sabe o que fazer?

Ontem foi mais um, só mais um dos piores dias desse ano. Eu me deito sem forças no colchão, a minha respiração está sempre ofegante, cansada. Deitada vejo o barulho da TV, da minha mãe andando pelo corredor da casa... Lá eu fico, apesar de precisar levantar, lá eu fico. Nesses momentos eu durmo e quando acordo, finjo que ainda durmo, olho tudo com meus olhos marejados. Elas pensam que sou a que menos se importa ou a mais preguiçosa, mas isso está errado, eu me importo, me importo tanto que toda a situação pesa demais sobre mim. Eu deito, choro, durmo, acordo e choro de novo. Quando não me resta outra saída, eu levanto e visto meu papel de quem vai aguentando viver.

Com o passar dos dias desse ano, tudo que eu tinha de esperança foi desaparecendo. Eu queria muitas coisas, e por alguma razão, apesar de todas as circunstâncias me dizerem que não podia tê-las, eu acreditava que podia. Mas eu acho que eu amadureci demais esse ano, amadureci tanto que passei a não ter mais certeza do futuro, do que eu seria, do que eu teria. Eu não tenho muitas expectativas quanto ao futuro, hoje eu só tenho medo das coisas nunca mudarem, porque eu não quero passar o resto da minha vida vivendo assim.

Quando se vive uma vida ruim, tudo que se quer é ter algo ou alguém em quem acreditar, em quem ter um pouco de alegria, alguém pra depositar a esperança de um futuro melhor. A gente se submete a tudo quando a vida é ruim demais, a gente tem que arranjar algo, uma pecinha no meio de tudo isso que te faça feliz. Eu fiz isso várias vezes, tanto com coisas como com pessoas, e o fim é só decepção.

A pobreza tira muito de você. Eu realmente não sei como seria minha vida se eu tivesse nascido num lar rico. Eu nunca achei que dinheiro fosse tudo na vida, mas a falta dele é dolorosa. Hoje eu vivo numa casa muito, mais muito simples e as condições são bem ruins. Algo que me entristece é ver o fracasso estampado nos olhos da minha mãe e não poder fazer nada em relação a isso. São olhos fundos, tristes, impacientes, olhos que vivem num mundo de pensamentos que ferem. Uma vida fracassada destrói relações, tira a paz, tira o conforto, tira a alegria de viver.

Eu sempre tive a plena certeza de que as coisas não seriam sempre assim. De certa forma eu sempre vivi na pobreza como alguém que vive uma situação passageira. Sempre estudei muito, corri atrás dos meus objetivos. A questão é que a gente cresce, e por razões diversas, as coisas permanecem iguais, isso é muito frustrante. Nos últimos meses eu parei de ser uma "máquina sonhadora e competente" e me tornei a pessoa que fica refletindo se as coisas realmente um dia vão mudar.

No fundo eu só queria saber o que fazer, ter um manual de instruções, mas isso não existe. Eu estou escrevendo isso pra voltar aqui daqui a um tempo e me lembrar desse dias ruins. Eu não quero esquecê-los porque eles me moldam e me fazem crescer. Seja como for, eu quero saber de mim no futuro se eu já sei o que fazer, porque hoje eu não sei.

Assinado, Eu de 2020.

Escrito em 27/11/2020, às 01: 33, ao som de Joep Beving.