Miguel

Miguel,

Faz um bom tempo que quero lhe escrever, na verdade venho postergando

Já são mais de 20 anos dessa história, e como eu queria que você tivesse triturado meu coração e sentimentos numa máquina de moer carnes, dai sim, teria sangrado tudo de uma vez só, e os restos já teriam virado adubo, e talvez, eu já estivesse adubando flores em outros quintais.

Nada se perde no campo dos sentimentos, até o que é jogado fora feito lixo, é reciclável

Mais, não. Você preferiu ralar o meu coração e os meus sentimentos em um ralador desses fajutos de cozinha, devagar e lentamente, espremendo até o último pedaço de carne, e a última gota de sangue, num processo tão lento e doloroso, sem nenhum cuidado

Deixando assim, minhas carnes serem tomadas por moscas varejeiras, essas sim, sugaram até os últimos restos podres das minhas emoções

Custa muito se recompor, ressurgir resiliente, quando lhe ralam assim, esmagando o melhor dentro de você

Mais é isso, estou aqui!

Você ai

E agora, tão inesperadamente e eu ainda diria, tão dissimuladamente, vem você, procurar se reacomodar nos meus peitos, se esquecendo de que um dia, ali, você deixou um buraco imenso, pois ralou as minhas emoções

Não, não vou pegar o primeiro vôo é ir até você, e correr o risco de você, outra vez, me fazer sangrar, ainda tenho partes intactas dentro de mim, muitas partes nobres. Tenho uma bagagem de dor, obviamente, nada que atrapalhe o meu percurso, prefiro porém, me deixar ser conduzida, ou até mesmo, abduzida, seja lá pra onde for, pra um lugar que você não esteja mais

Você, parece não entender, e por mais que eu fale, escreva, e te dê todos os sinais, você continua falando e fazendo planos, sempre foi assim, unilateral

Estou aqui, cuidando das partes nobres de mim, você dai, e sua voz cada vez mais distante dentro da minha cabeça

Vou ficar aqui!

Rita Fonseca

02/09/2020

Existe uma pandemia no meio da minha inspiração