A ÚLTIMA CHAGA - Ledo engano

Carrego em minhas histórias, entre tantas outras, uma frase citada pelo Padre Fábio de Melo, que foi retirada de um livro que ele havia lido, o qual no presente momento não lembro o título. O contexto da mensagem que ele passava era sobre as dificuldades que enfrentamos na vida, sobretudo das advindas pelas decepções, traições cometidas por pessoas nas quais logicamente, depositamos em algum momento o máximo da nossa confiança.

A frase do autor era para dizer que o mesmo estava bem, graças à um punhal que o matou tão mal. Não sei como as outras pessoas interpretam a figura do punhal, entretanto no que cerne à mim, me é remetida à mente a falsidade, apunhaladas nas costas, atitudes covardes e inesperadas oriundas de pessoas as quais menos esperamos ou sequer imaginávamos.

Particularmente, gosto muito dessa expressão "matar tão mal", pelo simples fato dessa causa desencadear como efeito a tão conhecida expressão: "O que não mata, fortalece".

Após ter feito a queixa contra Rafael, eu e meu filho continuamos abrigados na casa da Lena. Ele desesperadamente tentava entrar em contato comigo através do telefone dela, visto que pelo o meu estava incomunicável de todas as formas. Ligava umas cinco ou mais vezes por dia para pedir desculpas e dizer que estava ajeitando a "nossa casinha", que estava rebocando o muro para poder pintar. Insistentemente dizia que me amava muito, que seria incapaz de me machucar e que aquilo jamais se repetiria. Lena pacientemente passava as mensagens para mim, mas ficava com o coração divido, visto que além dele ser o cunhado dela, também era um dos funcionários da sua empresa e que exercia uma função importante.

Como ele havia levado uma bronca de todos os seus outros irmãos e eu não poderia ficar também tanto tempo hospedada na casa dos outros, aquela situação precisava de uma maneira ou de outra ser remediada. Então, foi sugerido por parte da Márcia, que era uma das irmãs de Rafael, que a mãe deles fosse passar um tempo na casa dela, para que pudéssemos conversar com calma e nos acertar. Sugestão esta que veio a dar a entender que a presença dela, causava uma influência sobre o comportamento imaturo do próprio filho. Fato este que não somente reforçava o que eu já suspeitava, mas também comprovava o que de forma amarga e tardia eu vim a descobrir.

Lógico que eu fiquei desconfortável com a ideia de ela sair do conforto da própria casa, mesmo concordando que a presença dela, gerava um ambiente para o filho continuar em uma relação de codependência na qual o impedia de crescer, se desenvolver, assumir suas responsabilidades, e em outras palavras, virar um homem de verdade.

Passado uns três dias, Rafael enviou fotos do muro rebocado e pintado e enviava mensagens de pedido de perdão e de declaração de amor para mim. Além dele precisar voltar a trabalhar, meu filho faria aniversário dentro de cinco dias e aquela situação me deixava muitíssimo desconfortável. Então, voltei para a casa de Rafael um dia anterior ao dia em que sua irmã iria buscar a mãe deles para levá-la para a sua casa.

Rafael era só receptividade e carinho para comigo e meu filho, deixando sua mãe um pouco de lado, isolada na sala. Na manhã seguinte e bem cedo, Márcia chegou para buscar sua mãe que já havia juntado alguns de seus pertences. Ela me chamou para o quarto e disse que sabia que a sua própria mãe havia mimado muito à Rafael e que sabia do quanto ela passava a mão na cabeça dele para encobrir os seus erros. Durante esta breve conversa, a mãe de Rafael passou no corredor, nos olhou de rabo de olho e Márcia mudou de conversa no mesmo instante.

A visita não demorou nem uma hora e ao partirem, Rafael também saiu para trabalhar naquele dia. Como eu ainda não tinha tido tempo para instalar o computador do meu filho, este usava o de Rafael. Então, antes que ele acordasse, sentei-me para mexer no mesmo para colocar no site em que ele gostava de jogar. Ao acessar o computador que já estava ligado, me deparei com a página aberta do facebook da mãe de Rafael que continha uma conversa com sua filha mais nova, a Marcela. Eu não gostava de invadir a privacidade das pessoas, mas não tive como não ler, visto que me saltava aos olhos, que a conversa era também a meu respeito.

À princípio, a filha perguntava se estava tudo bem com sua mãe e com a gente, onde a mesma apenas respondeu: "Ledo engano". Ou seja, que eu não era a pessoa quem havia aparentado ser e consequentemente insinuando que eu havia colocado as unhas de fora ao chegar lá. Quando na verdade eu dava forte ênfase ao meu posicionamento acerca do desrespeito para comigo, com meu filho, com ela e inclusive, até com o cachorrinho. Quando na verdade, a enganada da história fui eu, quando confiei nas palavras dela de que não deixaria Rafael me destratar como mencionado anteriormente.

A resposta da Marcela foi sucinta tal como ela era, dizendo para sua mãe que eu não queria ter ido para lá e que havia ido por muita insistência de Rafael e que ele desse um jeito de resolver aquela situação. A conversa terminou com sua mãe dizendo que depois conversaria, pois condizendo com os horários mostrados no chat, acredito que foi neste momento que sua outra filha havia chegado para buscá-la.

Chateada por ler mensagens alheias e mais indignada ainda pelo o conteúdo delas, fechei a página e tentei me concentrar na arrumação das minhas coisas, da casa e pensar em algo para o aniversário do meu filho que se aproximava. Como naquele ano ele ainda não tinha feito amiguinhos para chamar para fazer uma festinha, resolvemos levá-lo à um zoológico muito famoso de uma cidade vizinha próxima da nossa. Apesar de estar feliz por mais um ano de vida do meu filho, eu estava internamente agitada, emocionalmente abalada e visivelmente cansada.

No dia anterior eu e Rafael tivemos mais uma discussão porque ele não se dava conta, e se dava não demonstrava, que eu estava me sentindo explorada por ter que pagar tudo. Quando digo tudo, é no sentido literal da palavra que me refiro. Eu pagava do pão que sustentava o corpo ao combustível do carro para o nosso deslocamento para onde quer que fôssemos. Sustentava inclusive o vício do cigarro, visto que eu via como ele ficava quando tinha crise de abstinência. Um homem que tem vícios, deve no mínimo ter a dignidade de poder sustentar os mesmos. E como Rafael não tinha a capacidade para tal, eu não sentia o mínimo de desejo por ele e sentia repugnante a ideia de que um ser como ele, se deitasse comigo e pior ainda, sobre mim para sentir algum prazer.

Isso, porque o salário de Rafael estava todo comprometido com os pagamentos das parcelas de um refinanciamento feito para as obras e reformas feitas recentemente na casa. Essa dívida terminaria agora no mês de maio do presente ano. E o pouco que a sua mãe ganhava da pensão do falecido pai de Rafael, agora seria administrado pela outra filha que a havia levado, mesmo eles tendo uma boa condição financeira.

Até a manhã do dia do aniversário do meu filho, ainda estávamos em um impasse. O que Rafael não entendia é que eu estava sobrecarregada de todos os jeitos, estava me endividando e a ideia de sustentar homem ingrato, me deixava pra lá de enfurecida. Tentei me acalmar, por a cabeça no lugar por ser o dia do aniversário do meu filho, e forcei um ânimo para deixar meu filho feliz. O passeio foi bom, tiramos muitas fotos. Vera ligou da Itália enquanto estávamos ainda lá, conversamos um pouco por chamada de vídeo e eu consegui relaxar um pouco.

Comprei dois chaveiros de lembrança, um para meu filho e outro para o nosso amigo em comum o Ivan, que também faria aniversário em alguns dias. No final do dia, nos reunimos apenas nós quatro e cantamos parabéns para o meu filho que na medida do possível estava feliz. A tensão era sempre maior nos períodos da noite, que era o momento em que Rafael queria atenção e eu queria distrair minha mente com outras coisas, ficando no celular ou assistindo TV. Ao me ver postando fotos no facebook e falando com alguns amigos e familiares pelo WhatsApp, Rafael começou a colocar minhocas na cabeça achando que eu estava conversando com Júnior.

Como se já não bastassem as contas que eu pagava, Rafael pediu para que eu comprasse um celular para ele. Rafael era acostumado a ganhar as coisas na insistência, mas percebeu que comigo as coisas estavam mudando para ele neste sentido. Depois de insistir várias vezes e obtendo uma negativa como resposta, foi então que ele pediu para que a sua irmã Marcela comprasse para ele.

Ao saber disso eu entrei em contato com ela pedindo que não fizesse, porque ele não teria condições de pagar e o dinheiro acabaria saindo do meu bolso. Até que ela concordou, mas me pediu para que eu não comentasse com ele sobre a nossa conversa. Lógico que eu concordei, mas este pedido só veio a confirmar que eles se achavam na obrigação de sempre dar "os brinquedinhos", para que só então, o irmão caçula parasse de ficar chorando nos ouvidos deles.

Marcela perguntou como estavam indo as coisas entre nós eu respondi que estavam indo, que Rafael parecia mais um filho pra mim e que o meu próprio filho era como fosse para ele um irmão e ainda assim o mais velho. Indicando com este comentário que o meu filho que tinha acabado de fazer nove anos, tinha mais juízo que o próprio Rafael que deveria exercer o papel de uma figura paterna para ele. Como a conversa estava descontraída, nós rimos e no final ela manteve a promessa de não retirar o celular para ele.

Passado algum tempo, chegou uma carta para Rafael, o intimando a comparecer à delegacia para responder à minha queixa. Ele ficou desesperado e metralhava os meus ouvidos para que eu retirasse a mesma, pois eu iria acabar com a vida dele caso fosse preso. Incrível como eu não me atentei para a falta de pedidos de desculpas e com a preocupação explícita apenas com ele mesmo.

Deixei ele ficar apavorado até o último dia da data limite do seu comparecimento, para só então, ir lá e cometer a burrice de retirar a queixa. A estagiária que me atendeu perguntou se eu tinha certeza da minha decisão, pois ela conhecia o tipo dele e me alertou que ele tão somente não mudaria, assim como voltaria a fazer novamente. Eu lamentavelmente tive que concordar, dizendo que também achava o mesmo, mas que estava tentando achar um jeito de seguir a minha vida sem precisar prejudicar a dele. Ou seja, mesmo com o todo o estrago psicológico e financeiro feitos na minha vida e na do meu filho, ainda assim, eu optei por não prejudicá-lo.

O arrependimento desse meu ato "misericordioso", veio muitas vezes depois, mas a primeira sensação já me ocorreu ao sair da delegacia. Rafael estava ansioso e impaciente do lado de fora, e ao perguntar se eu havia retirado a queixa, eu respondi que sim, mas que ainda assim, o delegado iria avaliar os áudios para decidir se ele representava uma forte ameaça ou não. Ou seja, que mesmo eu tendo retirado a queixa, as provas estavam lá e cabia naquele momento, ao delegado fazer algo ou não.

Além de não ter me agradecido por ter retirado a queixa e tão pouco ter pedido desculpa por nada sobre aquele dia, Rafael estava falando mal de mim para o meu filho enquanto aguardavam no carro. Segundo meu filho, ele disse que eu era maluca, que ele era muito jovem, tinha planos e que eu estava tentando acabar com a vida dele. Se isso não é traço de psicopatia e narcisismo, então eu não sei o que mais é.

Passado alguns meses, com todo o conforto que a mãe de Rafael tinha na casa da sua outra filha, inclusive para fazer melhor o tratamento médico de que precisava, ela insistia em voltar, pois tinha necessidade de ficar perto de Rafael. Não era por causa da casa dela como ela dava a desculpa, era que ela tinha uma espécie de obsessão pelo filho e que insistia de intitular de amor incondicional de mãe. Resolveu voltar, mas por alguma razão ficou na casa da Lena, onde em abril por escolha própria, decidiu passar o seu aniversário de 73 anos, no qual eu compareci e disfarçamos bem os nossos incômodos.

Para a minha surpresa ela acabou comprando um celular para Rafael. Não que fosse surpresa ele a convencer de fazer algo para ele, mas a forma como eles não enxergavam que quanto mais eles davam as coisas para ele, mais eles impediam o processo de amadurecimento dele, de passar a ter responsabilidade com seus compromissos e dar valor às coisas.

Naquele dia nós brigamos feio novamente, pois tentava esclarecer estas coisas para ele que fingia não entender. Também aleguei o fato de eu estar endividada pagando tudo, inclusive, as despesas da casa, de não poder comprar o que queria para o meu próprio filho e a mãe dele chegar e comprar outro celular para ele destruir. Ele disse entender, disse que devolveria o celular, mas é lógico que isso nunca aconteceu. Pelo o contrário, este celular veio a ser o instrumento que causaria mais inferno no nosso relacionamento, principalmente diante das férias escolares do meu filho que estariam por vir.

Rafael relutou para aceitar que eu voltasse para o Rio de Janeiro para passar as férias na casa dos meus padrinhos. Me fez várias ameaças dizendo que quando eu voltasse encontraria outra mulher dentro de casa e até mesmo que não encontraria mais nada das minhas coisas lá. Mas por fim, como meus padrinhos nem sonhavam com o que eu e meu filho estávamos passando, eu precisava sair um pouco daquele ambiente e também para matar a saudade dos meus familiares.

Depois de muitas ameaças e relutância, Rafael teve que acabar aceitando e mesmo eu sabendo que a qualquer momento aquele barril de pólvora poderia explodir, eu ainda assim resolvi arriscar deixar meus pertences sob os seus cuidados. Lógico que estava tentando me preparar para ter dores de cabeça com os ataques de ciúmes de Rafael. Porém, ao me iludir que teria ainda que alguns ínfimos dias de descanso para minha mente durante as férias, agora o ledo engano era tão somente meu...

(Continua...)