Carta Aberta para um Homem Dessensualizado

Sabe... te faltam muitas coisas. Algumas até perdoáveis ou outras lamentáveis. Erra e de vez em quando acerta, tua vida deve valer alguma coisa: as pequenas e emocionantes aventuras burocráticas, previsíveis e risíveis.

Te perdoo por não me aceitar. Te perdoo por sua insegurança diante de alguém que não tem medo. Te perdoo por suas neuras e cismas com que possa ser o outro que evita e teme: o que não teme a morte e nem o riso, pois tem seu próprio corpo como recompensa.

Mas não te perdoo por sua falta de charme. Te falta a sensualidade. Te falta o trato com prazeres ocultos e segredos ousados. Não guarda pra si nem uma volúpia e nem mesmo a esperança por alguém que a dê.

Nem ao menos tua sede, tua fome e teu incomodo me invejam. Tua sede se sacia com pouco, tua fome se satisfaz com qualquer coisa e teu incomodo é óbvio e previsível.

Você pode até afastar as sombras, os livres e os libertos da moral previsível. Mas por mim, me afasto por minha conta e risco. Aliás nem este risco vale minha conta.

Teus gritos e gestos ameaçadores também não encantam. Não escondem um desejo ou uma vontade superior! Escondem medo, o temor de um rapazola tardio em ver-se tão pouco homem diante dos outros e principalmente de si mesmo.

Se não fosse moralmente repugnante, chorarias como uma criança sem jeito para conquistar a atenção da mãe. No fundo é só isto que ouço e nada mais ainda que sério ou supostamente sério.

Faz por merecer a falta de sensualidade! É o teu castigo por negligenciar o corpo, por desmerece-lo com suas pretensões e pedantismo. Nada sabes dele e tua inteligência não alimenta desejos ou esperanças.

Sua inteligência nem ao menos ostenta um poder, uma vontade de dominar e edificar algo neste mundo. Ela não passa de uma perspicácia deprimente, que se contenta com restos dos sonhos e poder dos outros.

Agora não me espanta que seja tão rapidamente esquecido, ignorado ou usado como algum brinquedo de alguma mulher esperta.

Ela brinca com o corpo que você não sabe brincar. Te dá tão pouco, um oceano que deveria te envergonhar, mas tu continua um córrego sujo que nem mancha o imenso mar: te apequena ao invés de te maravilhar.

Talvez nem as dores, as vergonhas e os vexames sejam fortes o suficiente para te tornar um homem de verdade, tanto de corpo quanto de alma.

Você nem merece esta carta, pois é imune a dor da vida: a parteira dos que clamam por existir cada vez mais e cada vez mais um pouco sem nunca deixar acabar o que quer que seja de intenso.

Te escrevo por que lhe devo algo, me fez descobrir quem não sou! Me libertou do que eu não era. Agora lhe descarto, como tantos outros, pois não passa disto e não tem mais proveito.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 03/05/2021
Reeditado em 03/05/2021
Código do texto: T7247543
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