Corredor da morte

  Sou a pessoa mais jovem já condenada à morte na minha cidade.

  Esse não era o meu sonho de infância. Não é exatamente o ápice do sucesso, embora realmente te torne alguém bem famoso; as execuções são raras hoje em dia. Durante toda a minha vida (não que ela tenha durado muito tempo) só aconteceram umas duas ou três. O nome dos condenados sempre é mencionado o tempo todo ao longo da próxima década e a família costuma receber uma boa indenização.

  Essas são minhas últimas horas de vida e não consigo nem chorar pela minha própria morte.

  Acho que ainda não acredito totalmente. Mesmo depois do julgamento, da condenação, da confissão com o padre, do meu pedido pra minha última refeição. Depois disso tudo, ainda não acredito que vou morrer. Boa parte de mim ainda acha (ainda quer achar) que tudo não passa de um grande mal entendido e que logo, logo alguém vai vir me avisar que posso ir pra casa.

  Pra casa. Não pra forca.

Na verdade não sei se ainda usam uma forca. Sei lá. Não quero pensar nisso. Existe algum jeito civilizado de matar alguém? "Boa tarde! Por gentileza, queira colaborar com este procedimento de rotina. Sente-se naquela cadeira elétrica e morra, por favor. Seremos eternamente gratos."

  Tenho um quarto só pra mim pelas próximas horas e não tenho ideia do que fazer. A única coisa que deixaram na gaveta da minha cômoda para me entreter é uma bíblia, e eu nem sou cristã. Se você sabe que vai morrer, pra que fazer qualquer coisa que seja? Tudo o que a gente faz nessa vida é pra não morrer.

  Você estuda desde a infância só pra alcançar um diploma que tê dê mais chances de arrumar um emprego e evita que você morra de fome.

  Você toma banho pra que a falta de higiene não te cause alguma doença que te mate.

  Você come pra não morrer.

  Bebe água pra não morrer.

  Se aquece pra não morrer.

  E claro, você tem filhos pra alimentar sua ilusão de que uma parte sua vai permanecer aqui depois da sua morte.

  Nenhuma parte minha vai continuar aqui depois da minha morte. Estou indo embora jovem demais. Não houve tempo de ter uma meia dúzia de pivetes.

  Pensando bem, foi melhor assim. Deve ser traumatizante demais assistir uma mãe ou pai ser condenado à morte. Isso mexe com a cabeça de uma criança. Mexe com a cabeça de qualquer um. Talvez meus filhos crescessem e de tornassem criminosos como eu.

  Não interessa mais qual crime eu cometi. Eu já não posso mudar nada. Não tenho controle algum dessa situação toda. Também não posso me revoltar; fiz juz ao meu sobrenome, isso também não muda nada. Só me resta morrer.

  Se eu pudesse voltar no tempo, provavelmente faria tudo diferente. Desde o começo. Desde que acordei naquele dia. Naquele ano. Desde que nasci. Antes disso, até.

  Mas não posso.

  Olha, bateram na porta.

  Tá na hora.

  E olha só. Não era mesmo um mal entendido. Eu vou morrer de verdade. Estou aqui pensando, me mexendo, respirando, andando por esse corredor e daqui a quinze minutos não vou existir mais. Agora eu sou eu, mas daqui a quinze minutos vou virar um cadáver. Vão me enterrar numa vala comum, sem identificação.

  Um cadáver não pode cometer nenhum crime, é por isso que decidiram me transformar em um.

  Não, ainda não acredito. Ainda há chances. Alguém ainda pode mudar de ideia. A pessoa responsável por me dar a injeção, baixar a alavanca, puxar a corda, brandir a espada, dar o tiro ou seja lá o que for ainda pode pensar melhor. "Espera, por que tô fazendo isso mesmo?".

  Acho que o pior é estar usando algemas. Não é justo. Podiam ter me soltado pelo menos pra esse momento.

  O último momento.

  Então vai ser uma injeção letal. Assim é melhor, imagino. Não dói. É só dormir. Nunca morri antes, mas já dormi.

 Não queria estar chorando, mas estou.

Talita Emrich
Enviado por Yzzi Dsant em 28/05/2021
Código do texto: T7266257
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