Amor: carta ao cético

Cara Bass,

Já faz um tempo, minha amiga, não é mesmo? Lembro-me da última vez que nos vimos, o mundo já não ia no seu normal havia um tempo, não é mesmo? De todo modo, nunca é tão fácil estabelecer um padrão para qualquer coisa nesse caminho doloroso ao qual aderimos como meio de vida; a Filosofia. Aliás, de uma coisa me apego com afinco, de todas as incertezas da vida, como nós sabemos, esse caminho não se pode considerar como tal. Afinal, como sabes, o pensar é viver, como diria nosso querido Pessoa, de cujos pensamentos tanto lhe sorvem a amargura desta vida; e de minha também, como sabes bem.

E se supuséssemos como incerto, teríamos, por fim, que supor que o próprio modo que vivemos é incerto; o que sei bem que nunca acordarias, tampouco meu espírito. Enfim, encerro esse devaneio, pois nunca poderíamos estar em dúvida com aquilo que somos, minha cara.

Ademais, pelo menos discordamos do amor. Aqui, façamos justiça, é verdade, somos somente mais dois miseráveis, matéria pensante, sob o sujeito mais misterioso, talvez, entre o espírito e a matéria. E somente por intermédio de nosso alter ego é que podemos supor solução para essa querela. Mas por algumas linhas, minha amada, façamos de conta que seremos capazes. Entremos nessa querela, pois sem sua resposta não vivemos, muito menos sem sua inquisição.

De minha parte, creio que o Homem somente se reconcilia no amor; que somente nele pode encontrar sua própria natureza. Como é que poderia, pois, um ser caminhar na terra sem ser completo? Como é que poderia, pois, existir sem aquilo que falta? Sei, minha cara, que teu ceticismo é maior que o meu, é verdade. Mas por nossa amizade, escutais o que tenho a dizer.

É certo que a subjetividade compartilhada nos aflige. Afinal, como nos alertou Platão, aquele que ama extremamente deixa de viver em si e vive no que ama. Mas essa aflição, como tu sabes, é por ela que anseio e desejo. E o único sentimento do qual procuro me desvencilhar é a alienação de meu espírito de si próprio, em sua tentativa de negação da realização de sua natureza. Tenho para mim, minha cara amiga, que grandes homens incorreram nesse erro, por meio do qual sou grato pelo conhecimento. Pois sabes, os desejos e prazeres são parte daquilo que somos; negar a sua realização é, ao mesmo tempo, negar aquilo que pertence-te. Eis aí o Homem! E no final, é isso que os afligiam, minha amiga! Homens de grandeza investigaram sua irrelevância material, acompanhada de seus defeitos, mas escolheram negar aquilo que não podemos escapar: a matéria.

E pior, atribuíram sentido a uma existência alienada, uma tal e qual não somos capazes de empreender.

Em todo caso, como sei que aprecias o amor, mas que foge-lhe como o diabo à cruz, aconselho-te que adormeça teu ego sensível, lembra-te de que é mortal, como diziam os bajuladores quando da entrada de Júlio César pelos portões da antiga Roma.

Aguardo notícias tua, minha amada!

Seu bom e sempre,

Milton.