O centro

 

Olá amiga! Como vai?

Espero que esta a encontre muito bem.

Saúde, paz, amor, dinheiro... Essas coisas são importantes.

Você sabe disso.

Eu vou indo. Como Deus quer ou manda.

Uma tristezinha aqui, uma alegriazinha ali, uma saudadezinha acolá.

Uma gripe, uma perna que dói, medo da pandemia.

E assim vai.

Hoje eu queria - queria não, quero - falar um pouco sobre o nosso centro.

O mesmo que viu a gente crescer,

Acordei meio com saudades hoje.

Houve um tempo que a cidade era apartada da cidade.

Me lembro, e tenho certeza que você também, que nos letreiros de destinos dos ônibus urbanos estava escrito “cidade”. Lembra?

Hoje a cidade virou centro.

Existem muitas cidades dentro da cidade.

E talvez também existam muitas cidades dentro do centro.

O centro saiu do centro.

O centro virou periferia.

Virou quebrada.

Os cinemas saíram do centro. Disso a gente lembra bem. Não é?!

O teatro saiu do centro. Foi demolido.

Tá certo que fizeram outro, meio afastado, mas fizeram.

Mas todo mundo passa por aqui.

Todo mundo ainda passa por aqui.

Os mais velhos falam que antes, no tempo deles, é que valia a pena morar no centro.

“No meu tempo” dizem, o lugar tinha charme e chamar um lugar de charmoso não é pouca coisa, amiga.

Nós também sabemos disso. Nós também já tivemos o "nosso tempo".

A julgar pelas fotos antigas das pessoas nos teatros, cafés, confeitarias, tinha mesmo.

Mas, será?

Ou essas imagens querem mostrar que, por estarem enterradas no passado, isso já não é mais possível?

Imagem também é forma de se perpetuar no poder.

Imagens são coisas fortes.

Disso também sabemos.

Será que no tempo dessas fotografias não havia mendigos?

Bandido?

Pedinte?

Puta?

O centro, à noite, é uma tristeza só.

O centro virou periferia.

Virou quebrada.

O centro virou luta.

Muitas vezes campo de batalha.

Tem muito doido por aqui.

Por vezes lugar de Deus Negro.

Por vezes lugar de Branco Deus que , muitas vezes, parece, se esqueceu da gente.

Eu continuo por aqui. Casei, descasei.

O centro

 

Mas continuo por aqui.

No centro.

Que é o local onde todos passam.

Ainda todos passam.

Posso parecer, mas não sou tão saudosista.

A verdadeira saudade que sinto não é do centro.

Eu o estou usando para falar da minha verdadeira saudade.

Alguma espécie de metáfora talvez.

Porque, bem ou mal, feio ou bonito, charmoso ou não, ele alguma forma, acho que já disse que o centro é mutante, ainda está aqui.

O que não está mais por aqui é minha juventude.

É isso.

Sem mais delongas que eu ainda tenho que dar comida para o gato.

Até.

Beijos.