Taj Mahal, canção de alegrar Flavia

(Para sempre filha, meu amor fascinado)

“Foi a mais linda história de amor

que até hoje eu vou contar:

o amor do príncipe Shah Jahan

pela princesa Dona Fla”

Desde bebezinha, “adaptei” esse trecho da música do genial Jorge Ben Jor sobre o Taj Mahal, "um monumento em homenagem ao amor, construído em 1040 no ano Hégira, um presente do príncipe Shah Jahan para sua amada Mumtaz Mahal". Ele passou a ser o meu hino de celebração do meu amor fascinado por minha filhinha.

Foi um modo musicado de presenteá-la com alegria, energia, desejando no dia-a-dia que a vida dela fosse boa, como faziam as fadas madrinhas ao visitarem a *** princesinha Aurora quando nasceu.

É registro eterno em minha mente o jeito dela celebrar aos 6 meses de idade todas as minhas chegadas em casa: no momento exato em que abria a porta do apartamento, sentadinha no sofá, levantava os bracinhos para o ar em minha direção, chacoalhava o corpinho, e abria um sorriso de enlouquecer, e, então, eu vestia minha coroa de rainha mãe, e lá fora ficavam muitas das mágoas e grosserias recebidas no dia.

A maternidade me fez rever por 30 anos de convivência diária com minha filha, cada fibra de minha intransigência, dureza, capacidade de excluir, lado anjinho mau (que fica à direita), muito das inseguranças e dúvidas. Trouxe-me com força total aquele sentido de que vida é para valer, não pode se misturar com o que a comunidade quer que você pareça ser jamais é faz de conta, e assim, incentivei-a sempre a buscar suas verdades. Claro que nesse processo de individuação, houve muita confusão, distração, mas a busca da própria essência não pode parar, ao contrário, e deve se possível contar com a ajuda de um(a) bom(boa) profissional.

Dei-lhe todos os vestidinhos e sapatos mais lindos. Demos a ela toda a assistência médica, psicológica que conhecíamos, fez todas as atividades extraescolares que quis. Teve carta branca sem limites para estar com o pai, quando nos separamos, onde, quando, quanto quisesse. Ela foi em especial, a bebezinha muito querida da Vovó Dora, pessoa sogra que marcou de mãe também minha vida. Quando quis estar com o pai dois fins de semana seguidos, ou, viagem de férias, minha saudade sentiu, mas nunca a desestimulei, e esse foi mais um ato de amor meu para ela que veio para enfeitar, e salvar minha vida.

Todas as tentativas de realizar as aptidões dela, disponíveis na pequena cidade onde vivíamos, foram tentadas: o maior acerto meu foi matriculá-la na Escola Aitiara. Lá floresceu, aprendeu de si, da vida, da natureza, da música, do teatro, enfim! Foi também aceita como era. Um dia me disse quando a deixei no ponto de ônibus às 6h da manhã: -“Mamãe, quando estiver no seu trabalho, pensa que eu estou num lugar cercado de matas, de árvores-”, e eu naquele dia senti felicidade e respirei aliviada, e pus uma pedra sobre as experiências tristes que ela teve na escola da cidade, onde tão pequena tinha enfrentado a rispidez e valores rasos de alguns filhos da classe média paulista.

Dançamos muito juntas, dei-lhe o CD da Blitz e ela e as amigas dançavam com muita energia e alegria. Muito depois soube do choque que causei aos pais das amigas de minha filha ao expô-las "à blitz”. Muito depois caiu-me com quanta pureza permiti que se alegrassem em minha sala dançando o rock nacional.

Filha você cresceu muito!

Hoje estamos num momento de corte do que ainda faltava do cordão umbilical, e me sinto segura em fazê-lo.

Vovó Nina dizia que eu tinha virado uma leoa quando te pari, que meus olhos tinham mudado, parecia uma gata atenta e quase ninguém podia se aproximar, porque te seguia e guardava o tempo todo.

Hoje te liberto, como quer você, como fazem as mulheres que selvagens na ousadia de tentar viver de verdade: sofrem, mas aprofundam-se, e correm, e como, com os lobos.

* A descrição do Taj Mahal está no álbum África Brasil de 1976.

** Escola Aitiara: Escola Waldorf Aitiara, Botucatu SP.

***O tempo passou e me deparo com conversas sobre a palavra “princesa”. Não consigo ver o emprego desse termo como aviltante, porque foi um uso corriqueiro conforme o significado autorizado de “mulher formosa e gentil, mulher graciosa, linda”. Contei várias histórias de princesas, ainda que a que você mais adorava era a da Fada Afobada. Princesas existem na vida real. Nunca vimos uma de perto. Quer dizer, vimos muitas rainhas e princesas do Carnaval. Pela TV soubemos de princesas da realeza muito infelizes, muito maltratadas.

O contrário de princesa e outros da nobreza é “plebe”. A plebe também pode ser vítima de maus tratos, no caso da plebe, podem ocorrer carências de toda ordem. Nem toda a plebe tem consciência de que ser princesa pode ser muito ruim, nem toda plebe tem consciência de que é preciso lutar contra as opressões. Não há princesas herdeiras no Brasil. Não há mulheres bem tratadas por agentes de extrema direita no mundo. Então, não vou corrigir o texto, porque sabemos que não é isso que agride o nosso país nestes tempos, não é filha? (10/ setembro/2022)