Carta à Outra Face - Reflexo Esquizofrênico Involuntário à Razão - Amiga Imaginária

Estas palavras vêm em sobreposição a outras que se perderam em sentido. Escrevi-as hoje pela manhã.

As pessoas cada vez surpreendem-me mais. Seria positivamente interessante esse movimento, excluindo-se, lógico, a mesquinhez das atitudes revestidas de sentimentos nobres de proteção, consideração e até amor.

Definitivamente não sei como posicionar-me em situações em que tais baixezas de espírito apresentam-se a mim, ou não tenho paciên- cia... não o sei. Sei que compactuar, mesmo que pela omissão do silêncio, é bastante doloroso.

Mesmo a sombra tem uma origem ofuscante e, posiciona-se racionalmente entre o ser e o ponto de luz. Mas e as sombras das som- bras, estes espectros que só humanos torpes são capazes de produzir? Como lidar com o obscuro sem uma referência luminosa qualquer?

E como concluir que para iluminar tem que se começar pela segun- da sombra, para então encontrar ainda outra? Que verdade, mesmo que metamórfica, há nisso?

Esse teatro de direção difusa por vezes me atordoa mas já não me fere.

Penso a Arte ser o ancoradouro destas metaforizações, o método de sublimação que não é método. A saída para que mesmo o ser extremamente sombreado possa elevar-se e canalizar estes ecos do vale estéril que o espírito tornou-se.

Em Mateus os olhos são a lamparina da alma, e não as janelas. Iluminar-se é “ver” o satisfatório e absorvê-lo. Talvez estas sombras estejam em mim e me impeçam de ver a luminosidade destas figuras convencionadas e coreografadas, e nesse caso, pasme, as amo!

Você é o motivo pelo qual estas questões não conseguem me atormentar tanto quanto poderiam, um bálsamo.

Tenho sentido, sim, uma amargura que parece ancestral pelas dimensões e efêmera pela incompreensão.

Trabalho minhas emoções como artesão bem instruído, só me dimi- nuindo para moldar-me, e sinto-me já moldado demais... Sinto-me apto para permitir a invasão da naturalidade pelas narinas e expeli-la nos poros, visceralmente. Quero os ciclos de absorção: já gastei muita energia inutilmente.

Tudo parece-me tão simples, tão fácil. O refúgio em si mesmo revela-me isso: o encadeamento é de fácil composição e deterio- rização. Para eles necessita-se de determinação e de alienação, respectivamente, estes lugares-comuns de óticas retorcidas e que de tão corriqueiros ganham staus de “condição humana”.

O mecanismo social deve ser encarado como ferramenta e quem a usa é responsável pelos reflexos. Paradoxalmente a responsabilidade social é também ferramenta da sublimação interior. Ambas são necessárias: uma por não se ter opção e a outra para validar o esforço cerceante e diluído da primeira.

Não encarar-nos como um todo é negar o amor, e isso não me é possível mas, que possibilidade há de totalidade em que quer que seja? Há sim essa forte intuição de que há coletividades & coletividades, e que de poucas emanam benevolência e nobreza... e assim sinto-me mais oco por não abarcar coletividades hipotéticas, nem nobrezas factuais... E a “virtude” da benevolência soa-me como o fogo de uma pira mítica. Lembrei-me de nosso diálogo de tempos atrás:

Henrique Di Rocha diz:

no fundo são masoquistas

Henrique Di Rocha diz:

mesmo buscando o prazer...

Henrique Di Rocha diz:

mas o que é a ilusão de prazer senão um sofrimento retardado? Há dor comparável?

Amiga Imaginária diz:

são na verdade casca

Amiga Imaginária diz:

tronco vazio

Henrique Di Rocha diz:

pior: o vaso rude por onde cresceu uma árvore em frente ao espelho, mas que é oca...No reflexo? Algo verdejante. Ao bater-lhe no tronco? Ecos!

Meramente viver sem desolar-se com as obrigações impostas requer um revestimento complexo para se manter imune às podridões do comportamento viciado: “da água estagnada espera veneno!”

A lama e a lótus. Absorver o indispensável e não renegar a consistência própria, pessoal. Desafio deveras desestimulante a princípio, deveria ser algo como um movimento involuntário, mas não como um espasmo... Poderia ser seguido de ofegância advinda da satisfação intensa e não de esforço condicionado...

Não temo os primatas sinérgicos nem os seriados,mas também não quero ser confundido com eles.

Dostoievsky via o homem como um corrompido incorrupitível na maturidade.

Blake observava o gênio inerente ao ser, e à ele delegava toda a criação.

Pessoa os via de fora, multiplicava-se e vislumbrava seu outros eu-vício-Pessoa.

À mim resta a resignação de opinar o que sou, um iconoclasta.

Não determinar a compreensão, buscar. Construir pontes entre estes vazios, otimistamente é verdade, e com a base incerta da pretensão, mas que saída me resta, nobre dama?

Fora essas considerações matinais, como vai a senhorita? O reencontrar contigo sempre renova, sombra de tão belos contornos. Não tenho te visitado ou falado contigo com freqüência, mas sei que visita-me à noite, e nesse expediente vai uma sugestão: que tal deixar mais recados?

Beijo gigante e mantenho contato.