Carta à ninguém 30.07.2022

revezo entre a alegria e a tristeza dos dias e o seu cansaço e a sua apatia a levar-me os anos de vida.

o tempo a passar ferozmente, enquanto, por tempo indeterminado, paro algumas coisas que faço

— são essas coisas, aos olhos do homem-capital: nada,

que tentam me manter com alguma esperança nesta rotina opaca que desregula meu sono

e me faz rever meus sonhos

como uma das muitas, ou poucas, coisas que restam.

pouca é minha força para falar de amor, embora o pensamento, embora a vontade;

tudo se consome entre as pressas e as pausas do contexto capital.

e outras se esquecem entre as pressas e as pausas, porque há o desânimo, porque há a constante urgência comercial — a ignorar a possibilidade de ansiedade

— a ignorar que tomas cafeína para adiar o cansaço do corpo, da alma e dos dias

[ e que tudo se repete; calmo ou violento; calmo e violento; tudo se repete ].

adiar tudo,

repensar tudo,

salvar-se todos os dias da morte fria,

agarrar-se numa mínima esperança:

querer — apenas — uma vida simples.