Ainda sinto

Maldito seja o veneno da saliva que saiu da tua língua e adentrou minhas entranhas. Maldito seja porque não tem antídoto. Maldito seja você, porque partiu às pressas me deixando no martírio que é viver sem a leveza de uma presença como a tua. Tão doce. Que saudade eu sinto do doce da tua voz e do amargo do teu beijo com gosto de cigarro. Saudade daquele vinho suave e do teu toque grosso na raiz dos meus cabelos.

Saudade do aconchego do teu corpo quente em noites frias como essa. Lembro de como você odiava o frio. Lembro de como você se agarrava em mim na cama e esquentava seus pés gelados nos meus e de como eu odiava isso.

Os invernos continuam muito frios, sabia? Você nem iria gostar de estar por aqui, mas eu gostaria que estivesse.

Eu gostaria de poder te ver deitado na cama com aquele teu roupão rasgado. Gostaria de me estressar outra vez com você por ter fumado todos os meus cigarros. Eu gostaria de poder te ver mais uma vez cozinhando pra mim com aquele avental ridículo que você insistia em usar. Gostaria de sentir o calor da tua mão entrelaçada com a minha enquanto assistíamos a qualquer um daqueles documentários idiotas sobre vida na selva que você gostava.

Eu gostaria de poder olhar mais uma vez pra esses olhos negros e te contar sobre como as coisas andam difíceis pra mim sem alguém como você por perto. Gostaria de deitar só mais uma vez no teu abraço, pra poder chorar toda a dor dessa falta e depois dormir sentindo teus dedos ásperos fazendo cafuné no meu cabelo e o cheiro daquele teu perfume barato misturado com cigarro.

Eu gostaria tanto de poder sentar com você no alto daquela mesma montanha e observar o vento arrastando as nuvens por esse céu azul até o topo das nossas cabeças confusas. Acho que eu gostaria de sentir de novo a mescla da leveza e do caos que era viver um amor confuso como aquele.

Confusa. As vezes me pergunto se ainda posso dizer que te amo. Acho que não. Talvez eu só ame tudo aquilo que guardei de nós aqui dentro de mim. Talvez eu sofra pelo fato de não saber se algum dia poderei te ver de novo além da tela de um celular. Talvez esses mais de mil quilômetros nos mantenham separados para sempre. Talvez eu sofra eternamente por isso. É por isso que acho que talvez eu sinta saudades. Não, talvez não, é claro que eu sinto, e é por isso que ainda te escrevo.

Eu sinto tanta falta de nós. Eu sinto tanta falta da liberdade de estar presa a alguém tão compreensivo e desapegado como você. Sinto falta de beber aquele vinho barato enquanto esperava você terminar a janta, da tua comida salgada demais e daquele café forte que você passava pra gente toda manhã. Sinto falta das noites mal dormidas causadas pelo desconforto que era deitar naquele teu colchão velho, da tua pia cheia de louças e das roupas sujas espalhadas pela casa. Eu sinto falta de te ajudar a organizar a tua casa e a tua vida. Eu sinto tanto. Eu sinto muito por ter te deixado ir embora. Eu ainda sinto.

Angelica Stefaniak
Enviado por Angelica Stefaniak em 21/09/2022
Reeditado em 21/09/2022
Código do texto: T7610709
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