Muralhas E Gatos

Existem poucas pessoas que eu deixei que atravessassem minhas muralhas, deixei não, né, elas se atreveram a passar por tudo que levei anos pra erguer. E todas as pessoas que fizeram isso e que ainda estão aqui comigo tem um pedaço de mim, e eu tenho um pedaço delas guardado em mim, seja em uma mania, um trejeito, um pensamento, uma palavra, um tique ou mesmo o sentimento puro.

Existem poucas pessoas que atravessaram meus muros, e sabe, cada vez que alguém de vocês passou por eles eu ergui mais, e cada vez mais alguém foi e pulou mais alto, como a um felino desafiando a parede da casa pra ir pro quarto do último andar, eu nunca consegui por esse bando de animais pra fora daqui, e acho que no momento eu aprendi que não sei mais viver sem eles, sem vocês.

Tá, não liguem pra comparação com animais, isso não tem o objetivo de ser tão poético, apesar de ser, nem tem o objetivo de ser uma carta de despedida ou um memorando, levem apenas como um momento qualquer em que digo que amo cada pessoa que ainda tenho comigo, algumas eu amo de graça, outras eu cobro parcelas graduais de cafuné e mordidas, outros simplesmente se fizeram bem mais que visita e eu não tenho mais nem coragem de por pra fora de tão ligado aos móveis e aos painéis que espalhei na casa que é minha vida, e sabe de uma coisa, mesmo que um dia me sobrasse coragem de expulsar daqui tanta gente, acho que eu me expulsaria no lugar, porque não quero viver nessa casa da vida se não tiver com vocês pra me fazerem companhia.

Existem poucas pessoas que eu deixei entrar na minha vida, e isso não é sequer uma comemoração, são só palavras do dia, representação das minhas emoções, é que eu aprendi que colocando no papel eu sinto mais vividamente do que só dizendo, talvez porque dizendo não parece que são palavras completas, fieis e cheias das coisas que eu escondo no meu peito, aprendi a esconder tão bem que eu preciso de tempo pra encontrá-las, por isso que demoro tanto pra por em palavras e me expressar pra alguém.

Existem poucas pessoas que ficaram até aqui, acho que faz parte da contagem, faz parte do status quo que são vocês em mim, uma parcela ínfima de corajosos e destemidos, loucos varridos que eu não consigo expressar completamente só dizendo que sei amar, eu sei odiar vocês, odiar essa ousadia que foi de não terem vergonha na cara de escalar uma parede de pedra feita de traumas e lamúrias que eu ergui continuamente pra ninguém passar, odeio vocês por terem passado só porque cada um me fez erguer ainda mais alto com medo de não deixar mais ninguém aparecer.

É, eu odeio amar vocês, odeio ter que dizer que agora, mesmo estando tão alto essa muralha, eu sei que vocês conseguiriam pular de volta e me deixar aqui sozinho, e talvez por isso que ame tanto vocês, porque apesar de conseguirem fazer o caminho oposto, ele não foi feito, e bem, não somos eternos, talvez um dia vocês tenham que fazer o retorno, mas tudo bem, só de vocês permanecerem aqui como morada, já me vale de todo carinho que eu poderia pedir.

Existem milhares de pessoas nesse planeta, mas existem poucas pessoas que são importantes pra mim, existem então, pouquíssimas de vocês.