Vocativo Deus: eu estou tentando

Quão ruim as pessoas podem ser. Se casarmo-nos, você levaria seu filho ao hospital por mim, por ele? Levantaria do sofá pra nos acolher? Desconstruo todos os dias ainda mais qualquer vestígio de romantização que há na palavra pai que simbolicamente representa o meu pai. A verdade é que hoje não procuro mais seus defeitos, e sim partes que ainda posso admirar e citar como fontes e motivos de meu amor. Não pelo vínculo fraterno por termos partes em comum de nossos DNA 's, mas porque quero te admirar como um ser humano, como um homem com uma história difícil, um homem com princípios e lições. Sei que isso é esperar demais de você, é esperar demais de pessoas adultas, pessoas mais velhas, pessoas com mais experiências que ainda estão descobrindo sobre o que se trata tudo isso, do que se trata a vida e seus percalços. Erro ao presumir a sua sabedoria, erro ao presumir empatia, erro ao presumir que tenhas as respostas, erro ao presumir que saibas as condutas. Erro. É culpa de minha inocência, ainda estou trabalhando nisso. Esperar o mínimo é ser inocente, e ser inocente é estar sujeita aos cortes de facas lançadas a cada segundo do que chamo de realidade violenta. Realidade que cobra e suga. Suga o corpo, o tempo, a vontade, os pensamentos, o ar, a vida, as cores. Sei que daqui dois dias essa discussão que tivemos não soará tão densa na minha cabeça como ela soa agora. Tenho que respeitá-lo eu sei. Não devo reagir como ele, não devo insultá-lo, mesmo sendo o que penso, mesmo que a vontade me rasgue o tímpano, não é o que moralmente devo fazer. Quero ser moral, para que minhas palavras e ações não percam a força e relevância. Irresponsável e pidona. O que peço indiretamente por existir é comida, abrigo, às vezes, com muita vergonha, afeto e companhia. Mas isso não importa, ele não se controla, minhas palavras o comove e o irrita, ele não sabe lidar com elas. Agradeço a Deus pela violência não ser mais uma ferramenta, ele não me ameaça mais. Será a minha idade? Eu poderia denuciá-lo. Minha mãe deve estar a essa altura no hospital com o meu irmão. Em menos de 30 min ela estava na cidade ao lado cuidando de meus avôs. Meu avô arrancou a sonda de sua barriga. Enfermeiros tiveram de ser acionados. Ela chegou às 22h30 em casa em pleno domingo de natal e logo mais teve de sair com o filho ao hospital enquanto o marido assiste a tv enquanto reclama do trabalho que os filhos dão, sendo que ele nunca move um medo. Meu pai não se interessou em como quebrei o braço, ou se sinto dor. Ele não se importa. Esquisito, né? Às vezes não sei o que pensar sobre ele. Ele me faz questionar o que sei sobre as pessoas. O que acho que sei sobre as pessoas. Se ele, como pai, não se importa, as pessoas que se importam, se importam de verdade? ou foi a título de curiosidade ou foi por convenção social, costume, cultura, conveniência? Afinal, na vida pública somos movidos por essas coisas. Talvez daqui surja a vontade de ser e de levar uma vida menos pública possível. Confiar em poucos, se possível ninguém. Apenas na minha mãe, sendo também uma pessoa passível de traições, eu superaria a dor e a amaria da mesma forma, eu sei que sim. Não há mais ninguém com esse papel. Preciso confiar para amar. Relembro os desígnios de Deus, como amar o irmão sem medo, sem desconfianças, sabendo que podem esconder uma adaga pronta para te ferir, ou se carregam a indiferença, às vezes até mais fatal que os ferimentos da adaga? Chamei-o de moleque e deplorei sua atitude, tive vergonha da cena que presenciei e da falta de peito, da falta de peito, atitude, moral, princípio, convicção, posicionamento. Fuga. Sua vida é cheia de fugas, assim foi como ele sobreviveu. Fugindo. Sou mole, eu sei. Não tenho história pra contar. Mas não deixo de me decepcionar. A solução está comigo. Essa história é a do meu pai e da minha mãe, o que cabe a mim é me proteger de mim mesma, das minhas expectativas e indignações. Expressa-las não mudará atitudes de terceiros, eu não tenho esse poder. Pense antes de falar. Pense antes de falar. Pense antes de falar e, se puder, não fale. Não fale nunca! Me escreva, seja sábia. Medite em seus pensamentos antes de os proferir. Medite. É o que peço. Foca aqui dentro, isso é o que controla sua vida, seu tempo, sua energia. É o que nos escreve agora. Foda-se as fotos, foda-se os viwers. Ninguém está aqui com a gente, agora. Viver o aqui e agora. Aqui e agora, com coração. Não queria ter vergonha do meu pai, foi um erro julgá-lo pois agora carrego esses pensamentos comigo. Colocá-los aqui é uma boa forma de me desconciliar deles. Devo seguir o chamado, o celibato, a reclusão? Recorrentemente é o pensamento que me acalma quando penso no futuro. A figura masculina me assusta e me repugna, não quero ter filhos, não quero essa responsabilidade e não desejo que nenhuma outra vida experimente tanta dor e sofrimento por estar nesse mundo. É uma vida difícil, apesar das belezas, é uma vida difícil. Tenho almejado o fim dela. O fim, a transformação. O caminho mais rápido e digno é a iluminação, pra sair daqui. Talvez seja o meu chamado, me livrar daqui de forma ‘’limpa’’ e até nobre. Ou se for pra continuar aqui, que eu caminhe em paz. É difícil achar a paz em tempos e em circunstâncias como essas. Criar e viver na paz. Na presença d’Ele, presumo. Que Deus abençoe minha mãe, minha vida, meu irmão, meu pai, minhas irmãs, minhas primas, minhas tias, meus tios e meus primos, meus avôs, e aqueles que convivem comigo e me têm em seus pensamentos. Senhor, zele por eles, por nós. Perdoa-me, perdoa meu pai. Nos perdoe. Estamos tentando. Eu estou tentando.

Mari Verona
Enviado por Mari Verona em 26/12/2022
Código do texto: T7679730
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