A VERDADE NO FUNDO DO COPO

A VERDADE NO FUNDO DO COPO

Primeiramente, não me lembro de como cheguei aqui, quando reflito na minha história, parece que estava lendo um livro de outra pessoa.

Minhas últimas lembranças estão confusas, como se estive preso em bruma, sem referencia e direção. Então o que posso fazer é uma retrospectiva da minha queda, que por mais que possa parecer módico, cada acontecimento na vida de alguém reverberam de forma diferente e pessoal, o que é insignificante para uns, para outros representam um peso enorme.

Estava saindo do trabalho como de costume, cansado de tanto problema, apesar de que os problemas só existiam na minha cabeça, pensamentos negativos ecoavam, me cegava para quaisquer outras reflexões, que, diretamente repercutia em minhas ações. Por consequência disto, tive um desentendimento com meu chefe, onde ele só faz o exercício de exercer sua função, o de cobrar minha produção e tentar entender por que não estou produzindo. Mas enxergar essa perspectiva esta longe que uma alma perturbada possa conceber, justifico minhas condutas e falta de produtividades com desculpas vis, sempre com um motivo plausível, em minha própria concepção, de não ter realizado tal tarefa, nunca assumindo a culpa e sempre depositando no outro. Essa é minha sina.

Não suporto minha própria hipocrisia, depois do ocorrido, a cada justificativa, um novo sentimento surge em meu íntimo, o remorso.

Em meio esta minha estaticidade catatônica, a única ação que me resta é a fuga de mim mesmo, o silêncio é perturbador, sabendo do tudo que eu tenho que fazer para melhorar minha atual condição, principalmente financeira, é agir e eu não consigo sair da situação mórbida de estar me comparando com outras pessoas em suas redes sociais, me perco naquele limbo infinito depressivo de vídeos engraçados que proporcionam tanto a fuga da realidade quanto de mim mesmo.

Já tenho 36 anos e reflito... O que eu fiz da minha vida? Sou um somatório de escolhas erradas, e quando olho para trás vejo que ainda nada construí. Vivo de aluguel e têm meses que mal consigo pagar minhas contas básicas, as dívidas vão aos poucos se acumulando. E a cada dia um sentimento de insegurança se potencializa, já não estou novo para conseguir ingressar em uma carreira e também não conseguiria pagar um curso. Meus pensamentos flutuam entre o passado e o futuro, nesta temporalidade que eu vivo o presente sequer existe. Neste limbo temporal eu vou vivendo e sofrendo, esqueci completamente do sentido da vida, ou... o objetivo último da vida, a busca pela felicidade.

No fundo de um copo é onde tenho encontrado meu conforto, sempre depois do trabalho, tenho costume de passar em certo bar. É um bar simples, com mesas de plástico e nas laterais tem uma bancada em ardósia que circunda o pequeno ambiente. No centro ficam duas mesas de plástico, alguns dos frequentadores que em sua maioria são homens mais velhos que se juntam para jogar um truco ou purRinha. Eu... não gosto de me interagir, costumo ficar em um dos cantos menos iluminados, tomando discretamente minha cachaça até esquecer de quem eu sou. Essa é a minha fatídica rotina.

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Minha boca estava sedenta por um gole, após a última discussão com meu chefe, fazia o trajeto a pé do serviço para o bar perto da minha casa. Esse trajeto fora percorrido de forma atomata, sem recordar sequer das esquinas que percorri e das ruas que atravessara.

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Vejo-me novamente olhando para o fundo de um copo vazio, um misto de sentimento de angústia, ansiedade e medo tem me assolado. Não vejo ninguém, tudo parece estar nublado, me sinto exausto.

Peço em voz alta, sem mirar a alguém em específico.

- Me vê outra dose!

Ninguém responde. Continuo a fitar o fundo do copo vazio.

Nada passa pela minha cabaça me sinto vazio como o copo que estou a encarar, como se aos poucos cada aspecto dos meus sentidos estivessem me abandonando.

Um filme passa diante meus olhos, uma vida inteira em um breve espaço de tempo. Meu corpo ainda habita na realidade física da matéria. Minha consciência já não tem tanta certeza Parece estar perdida na própria eternidade, no limbo de um presente absoluto onde nem mesmo os sentimentos são capazes de alcançar. É um vazio reconfortante.

Neste estado parece que posso compreender tudo, e agora .... não odeio mais nada, tudo é aceitável. Bem e mal, felicidade e rancor, amor e ódio... nenhum desses conceitos fazem mais sentido. O apoio que sempre busquei no copo cheio, tornou-se vazio, ainda me pergunto em como cheguei a este patamar mas... confesso que nunca me senti tão bem, Sem esperança nem medo, sem expectativas e frustrações, neste momento eu sou e deixo de ser, este aspecto que parece um presente eterno .

O copo que sempre buscava estar cheio, era sempre para estar vazio. Foi preciso me esvaziar para encontrar a felicidade, pena que demorei demais para compreender isso.

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Para quem leu este meu último registo, entende-se que o que eu fui e como me chamo não importam o valor deste relato esta contida em meus sentimentos, que ficarão perpetuados nestas linhas.

Foi o rio que me disse
Enviado por Foi o rio que me disse em 11/04/2023
Reeditado em 11/04/2023
Código do texto: T7761239
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