Cartas de Saint Michel - novembro de 1889

Hoje, da janela da abadia, eu quero eu preciso te falar. Eu preciso muito falar contigo antes de silenciar. Estou tentando aprender o que me disseste um dia: primeiro aprendemos a falar para só depois aprender a silenciar. Acho que chegou minha vez. Minha vez de silenciar para ouvir a voz do outro, a voz de Deus, a voz de quem amo, de quem me ama.

Mas... eu preciso te falar e enquanto meu coração não calar eu queria poder te dizer: não te deixe abater pela vida, pelo peso do passado, pelas perdas e pelas coisas que não tens em ti ou ao teu redor. Nunca te deixe levar pelos momentos difíceis que surgirem a tua frente mas aprenda a transformá-los em trampolins para não vivê-los mais em ti.

O que sinto por ti é muito além de sentimentos comuns. É algo espiritual que não se explica em sentimentos tão humanos, tão terrenos, mas que se compreende a partir do entendimento da eternidade, do mundo espiritual.

Às vezes eu vejo em ti... eu mesma. Como se fosse um reflexo. Como se estivesse em frente um espelho. Nós somos parecidos em muitas coisas. Pensamos igual sobre tantas outras. Mas, também, somos diferentes em tudo. E acho que é essa diferença que tu tens que me completa, que me pertence e que busco sem parar.

Por isso não consigo desistir de ti, por isso não deixo você se ir para longe e por isso não quero te perder. Porque me encontro em ti. Aquilo que me falta está aí, em você. E, pode girar o mundo, pode passar o tempo, sempre, sempre, meu espírito vai buscar o teu. Porque tudo em ti me completa, me complementa.

Tu és o que eu não sou. Tu estás no que não estou. Até tuas palavras, aquelas que tu falas... são as que faltam em mim. São as que preciso para dizer o que penso e sinto. Por isso, tuas palavras me atraem tanto. Porque falam, expressam os meus sentimentos. Às vezes, eu me pergunto: como ele conseguiu saber? Como descobriu que era isso que eu queria dizer? E como ninguém responde, eu digo para mim mesma: maria, ele está em você, navega, caminha em teu espírito, mesmo que não saiba, mesmo que não perceba e mesmo que não queira mais. E, por isso, sabe o que tu pensas, como vai reagir, ele prevê os teus passos, antevê tuas atitudes. Porque te conhece como ninguém, ninguém mais te conhece na face da terra como ele, além de Deus.

Às vezes eu penso: parece que fomos concebidos do mesmo ventre. Fomos escritos pelos mesmos cromossomos. Eu não entendo como tu sentes o que eu penso e pensas o que eu sinto estando assim tão longe de mim. Estás longe e perto. Te sinto aqui. Falo contigo. Somos irmãos. Almas-irmãs. Espíritos-irmãos. Quando vi teu mundo cinza eu pensei: ele disse o que eu queria dizer. Mas ele disse mais. Ele também disse o que sente. E quando li seu leopança eu pensei: é isso que estou sentindo também. Como se a vida tivesse me lancetado com as dores do corte mortal, definitivo. Como se hoje eu morri ou fosse morrer. Também me sinto como a morte sem fim. Ensinando os outros a morrer, ao invés de ensinar a viver. Também me sinto uma luz sem claridade, sem pingentes que brilhem para encanto da alma do outro. Também me sinto um fogo sem chama, precisando de um sopro de você para acender minha alma e poder continuar a viver. E tu me acende meu anjo. Tu me acende.

Acende em mim sentimentos que eu escondo por medo, por vergonha, sei lá. Tu consegues acender e eu tenho de aprender a viver com eles. E sempre foi assim. Desde o início. Quando eu sentia coisas e coisas e não sabia, não entendia o que acontecia. E hoje eu entendo porque brigava tanto. Brigava porque via, sentia e tinha medo do que estava descobrindo. Tinha medo de me perder, me deixar levar. Como me deixei até certo ponto. Eu não entendo e nem sei porque tudo isso aconteceu. Mas se aconteceu eu aceitei e estou tentando navegar, aprender a caminhar nesta estrada. Eu sempre lutei contra ela. Hoje eu a busco.

Hoje eu quero o mundo que tu me ofereceu e eu sempre neguei. Hoje eu quero ser como você. Eu sei que nunca vou chegar lá, mas eu desejo do fundo do meu coração. Não mais para que tenhas orgulho de mim, mas para que eu própria me orgulhe de ser alguma coisa. Para que eu própria veja que sou capaz de ser diferente. Que hoje sou diferente. Que dentro de mim tem uma mulher, uma mulher de verdade que se veste de menina e que menina é. Tua menina. E que mesmo sendo menina é uma mulher. E não importa que nunca vejas essa mulher e que ela nunca possa te ver. Importa que essa mulher te sente. caminha por tuas palavras e te sente. É o que preciso para viver. Sentir você. E aprender contigo.

Eu quero que me ensine sim. Não a ser você, mas, a ser eu mesma. Sempre. Me ensina ? Me ensina? Eu tenho tanto pra aprender e tenho medo de ter pouco tempo. Sei que tenho uma tarefa. Sei sim. Sei que a faço já de certa forma. mas descobri contigo, com o mundo que me deste, que posso realizar minha finalidade de forma mais ampla através do que tu me ensinaste a ser. Através deste mundo novo que eu nunca quis aceitar, mas que agora eu quero, eu desejo com todas forças do meu coração.

Não pense que maria está louca. Que maria está se desequilibrando outra vez. Não. Não. pense que muitas confusões que se fizeram dentro de mim estão se desenrolando, se desmantelando. e aos poucos eu vou aprender o que me ensinas. Hoje eu estou aprendendo contigo a silenciar. Como viver e como falar em silêncio. Eu quero saber. Para em silêncio falar tudo, tudo o que estou a sentir, amar e desejar.

Eu ontem fiz uma oração. Uma conversa que tive com Deus e que parte dela escrevi. Envio para ti. Ela fala do que faço, do meu trabalho que mesmo sendo voluntário para mim, é um compromisso. E que amo fazer o que faço. E faço com muito amor como tu sabe.

E que a Paz de Deus esteja contigo. E que vivas o teu dia com alegria, sabendo que és uma luz de amor a acender minha alma e a me fazer ser quem realmente sou. Um beijo. Da maria.

Oração:

longe de ti meu Deus perco o meu sentido, a minha finalidade. tu me fizeste para si, para estar contigo. e estar longe de ti significa não estar contigo. o que me afasta de ti meu Deus? por que e quando vou para longe? tu me fizeste à tua imagem e semelhança e me deste uma tarefa específica. essa é a minha finalidade. cuidar da tua criação. de tal forma que se perceba que lá onde eu esteja se possa ver as placas indicativas que levam a ti. que lá onde eu esteja se perceba que pertenço a ti, que tu me amas, que estás em mim e que te amo e amo a tua criação como tu me amas. que lá onde eu esteja que se perceba que a estou a zelar a tua criação como tu me deste zelar.

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