Carta aberta ao meu pai

Pai,

Ao nos aproximarmos do fim deste ano, percebo que será diferente dos últimos 8 anos, quando começamos a celebrar essas datas juntos. Infelizmente, vejo você debilitado, acamado, enfrentando um sofrimento que não compreendemos. A cada dia, é uma luta manter você bem, aliviando sua dor. Reconheço sua força, mas seria egoísmo querer mantê-lo sempre ao nosso lado. Infelizmente, sei que o dia da sua partida está próximo e iminente.

Você foi viúvo muito jovem, cuidando de duas crianças e uma recém-nascida, enfrentando toda a pressão ao seu redor, até que encontrou minha mãe. Sempre foi um exemplo de pai e trabalhador, mesmo diante dos desafios.

Em alguns momentos eu questionei minha mãe por ter casado contigo, principalmente em situações turbulentas em casa. Não vou amenizar, nem dizer que foram todos bons. Sabemos o que passamos devido à sua ignorância, machismo e álcool. Eu perguntava a ela: "Mãe, o que passava na sua cabeça para casar com um homem 17 anos mais velho, viúvo e com 3 crianças?" Ela sempre foi resiliente em sua resposta, teve mais 3 filhos contigo, e pai, há tanto que preciso te dizer. Tivemos momentos tensos, mas crescemos e amadurecemos. Com todos os traumas, evoluímos, admiramos e cuidamos de você, reconhecendo o papel fundamental no nosso crescimento pessoal.

Lembro-me, aos 14 anos, de você fazendo tudo para que eu fizesse um curso de informática na Lapa. Teria que ir sozinha de trem, e você se esforçou para custeá-lo, incentivando-me a não ter medo. Esse curso foi crucial para a profissional que me tornei hoje. Você, orgulhoso com meu certificado, comprou um quadro e o colocou, sempre fissurado em certificados. Sua confiança permitiu-me trabalhar numa loja no Brás com 15 anos, algo que muitos pais recusariam. Quando decidi ir para o Mato Grosso fazer faculdade, você não me brecou, sendo meu maior apoio, mesmo diante do meu medo de pedir e você negar. Apesar das amarras da adolescência complicada, você me libertou. Sinto muito por não ter entregado outro certificado, mas sei que, no fundo, sempre esteve feliz com minhas escolhas.

Em 9 de março, celebramos seu aniversário, e em 1993, no dia 10, você ganhou um presente incrível: EU! :D

Nunca me deixou na mão, alimentou-me, deu-me banho e mimou pois eu era a caçulinha. Agora, os papéis se inverteram, eu já te dei banho, já troquei e alimentei, que loucura que é essa vida. Tento não pensar, mas pergunto-me como serão os próximos aniversários sem você.

Sobre o perdão, quero que saiba que já o concedi há muito tempo, e a mágoa não encontra espaço em meu coração. Não cultivo ódio nem tristeza nem por você, por ninguém. Quando chegar o momento da sua partida, prometo manter-me firme, continuar na jornada, cuidar dos nossos cachorros, doar sangue, plaquetas, jogar na loteria pelo menos uma vez ao mês. Lembrarei de todos os momentos maravilhosos que compartilhamos e permitirei que vá em paz. Hoje sou muito grata do destino ter contribuído e o senhor casar com a minha mãe, sou grata pelos meus cinco irmãos, e por ter formado a família que somos hoje. Confesso que meu maior receio é que, após sua partida, nossa família se afaste, o que seria uma dor inenarrável. Desejo, do fundo do coração, que isso nunca aconteça.

Por fim, pai, expresso meu profundo agradecimento por tudo! Você é a melhor essência, o homem que sempre lembrarei e amarei pelo resto da minha vida.

Com todo carinho,

Silmara

SiLmara Cavalcante
Enviado por SiLmara Cavalcante em 14/12/2023
Reeditado em 14/12/2023
Código do texto: T7953786
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