Um choque da realidade

Os fogos de Copacabana iluminavam os céus com cores alegres e vivas. De todos o cantos ouvía comemorações, sinais de confraternização e demonstração de carinho. Casas de show que cobram uma pequena fortuna para seus clientes desfrutassen de seus espaços funcionando a pleno vapor, praias lotadas transbordando alegria além das pequenas reuniões que juntam familiares e amigos em ceias ou churrascos com sua lua e alegrias próprias onde cada pessoa vibra a sua maneira o ano que se inicia.

Alguns choram a perda de parentes ou amigos, choram de alegria contagiados pela energia que percorre seus corações ou simplesmente choram.

Convidado por um amigo que fez um churrasco para a família estava eu nesta festa quando as cores iluminavam os céus. Seu cunhado chorava mais ao longe a perda da avó enquanto os demais trocavam abraços e felicitações. 

Parei naquela bela confraternização devido a bondade e carinho daquelas pessoas. São poucos moradores naquele pequeno conjunto. Minha funcionária Elcineide é um deles.

Eu ia passar o ano novo sozinho. Já acontecera outras vezes, mas a diferença era que eu desconhecia que seria assim. Sabia que minha mãe estaria de plantão, mas não que minha irmã estaria numa dessas casas de festas localizadas lá no Jardim Botânico, bairro aqui do Rio de Janeiro. Minha funcionária sabia, contou para o marido que falou com esse querido amigo que falou com outro amigo e começaram a me chamar insistentemente para estar com eles.

Me atrasei porque precisava fazer o arroz da ceia. Nada demais, o básico porque nossas duas cadelinhas precisavam comer também.

Eu tinha acabado de receber a notícia que teria que cozinhar arroz para elas também comerem. Após isso minha irmã partiu para sua festa.

As duas cadelinhas, Magali e Lili me assistiram preparando a comida. Depois do arroz peguei um peito de frango, desfiei, misturei no arroz, servi em suas tijelinhas, pus para esfriar, e entreguei às duas mortas de fome.

Não importa o quanto comam, sempre há fome para mais um pouco.

Durante todo esse processo eu pensava muito no Ulisses e na Andreia. É impossível não lembrar deles em qualquer ocasião festiva. São respectivamente o filho e mãe, minha ex namorada de seis anos atrás. 

Será que estavam bem? Estariam apenas os dois nesta virada de ano? Estavam felizes? Riam muito, se divertiam? Pensar neles me aquece o espírito.

Sinto muito falta deles. Não tenho constrangimento algum em dizer que ela é a mulher que até hoje mora no meu coração. Na há um dia desde que nos separamos que eu não lembre daquele sorriso bobo, daquele olhar carinhoso e seu jeito meigo de falar. Andreia é um doce de pessoa. Seu filho é uma mente a frente do seu tempo.  Garoto cheio de vida, curioso. Aliás ambos são. As vezes a mãe tira dúvidas com o filho sobre as atualidades.

Eu observava as meninas comerem o arroz com frango enquanto aquelas lembranças de seis anos atras percorriam minha mente quando meu telefone vibrou. Meus amigos me chamavam. Vi que tinham mensagens também. 

Sentei-me a mesa e fiz minha ceia. Adoro Chester e modéstia a parte combinado ao meu arroz ficou uma maravilha.

Novamente elas me assistiam comendo. Na televisão eu tinha colocado Jason Bourne, mas sequer assisti.

Novamente o telefone vibrou. Decidi ir até aquele churrasco. 

De volta aquela cadeira, vendo todos se abraçarem. 

Vieram até mim. Cumprimentaram-me. Fiquei alegre naquele momento.

Finalmente eu vivia o presente. 

Mas o presente me chocou. Me dei conta que teria passado o ano novo sozinho em casa se não tivesse ido até eles.

Meus olhos começaram a lacrimejar. Um conhecido perguntou-me se estava chorando e disfarçando falei que era sono.

Bateu-me um vazio tremendamente doloroso no peito. Senti-me oco. 

Viver o presente daquela maneira foi um soco no estômago. Lutei por mais de duas horas para segurar as emoções.

Minha mãe, irmã, Andreia e Ulisses. Eu estava sozinho. Experimentava a dura realidade. Experimentava a solidão num nível que ainda não sentia.

Eu senti meu pai falecido seis anos atrás perto de mim, na minha frente. Era como se ele estivesse ali tentando me mostrar a realidade da minha vida. Era como se de alguma forma o ouvisse dizer para enxergar a realidade. Ele queria que eu visse o real. Queria me mostrar onde eu estava?

Mas haviam pessoa a minha volta e eu tentava desesperadamente me conectar aquelas pessoas. Mas meus amigos estavam bêbados e os demais pouco contato eu tinha.

Não era para ser assim, mas comecei a me sentir numa sessão de tortura. Lutava contra emoções que esperaram não sei quantos anos para transbordarem.

Estou sozinho no ano novo! Essa frase repetia-se insistentemente enquanto usava meus olhos para registrar na mente que estava eu cercado de pessoas alegres. 

Foi tudo em vão. 

A deixa para voltar pra casa foi uma pequena discussão entre duas irmãs.

Me levantei da cadeira e agradeci a todos o carinho do convite.

Atravessei todo o quintal até o portão acompanhado pela Elcineide que abriu-o e trancou-o atrás de mim depois que desejei feliz ano novo e bom descanso.

Somos praticamente vizinhos.

Os poucos metros percorridos até minha casa foram de profunda reflexão.

Tentei encontrar a raiz daqueles sentimentos terríveis. 

Estava relendo Noites Brancas de Dostoievski. Seria essa a razão?

Tranquei a porta, tirei a camisa porque ela me estrangulava e joguei-a no cesto de roupas.

Sentei-me no sofá respirando fundo. Talvez tivesse sido uma boa ideia tomar meu calmante. Mas naquela hora eu não lembrava de nada que me servisse de saída. 

Após um longo banho caí na cama. Queria dormir, só isso.

Então eu chorei. Chorei por longos minutos, talvez horas nas trevas daquele alegre noite de ano novo.

Chorei a ausência do meu grande amor e da minha família como se finalmente a realidade se apresentasse diante de mim.

Em algum momento tornei-me um homem solitário.

Chorei... e chorei.

Um homem chorando! Tremendo!

Finalmente adormeci.

John Raskólnikov
Enviado por John Raskólnikov em 01/01/2024
Reeditado em 01/01/2024
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