Olá, sou eu. Ando por aí, a sombra do que fui. Meus trapos antes eram nobres... agora são farrapos.
A cor apagadiça faz inveja as parcas nuvens... Continuo lendo e escrevendo muito... Escrever me torna leve...
Todos os fardos são pulverizados em palavras, em regência verbal, em pronomes e, muitos substantivos laboriosos e até de certa forma catárticos...
Olá, sou eu... Ainda lembra de minha voz? Esse soprano contralto que teme as extremidades das vozes... o muito agudo ou muito grave... E, você? Continua a usar diminutivos para amenizar situações incontornáveis.
Sua habilidade em diálogos difíceis... enquanto eu explodia com impropérios.
Você é bem mais adequado do que eu... Eu sempre fui scherza... num país de destros.
Nossas conversas eram tão boas... compartilharmos tanta coisa... passado da infância, da adolescência e, até... nossa senectude.
Confesso que tenho certa inveja dos portadores de Alzheimer, se animam com coisas banais e repetitivas... E, eu... bufo feito um animal selvagem... Engraçado: continuo ficando rubra quando irritada... você falava que eu hasteava a bandeira vermelha, igual a dos salva-vidas...
Ainda me recordo da interjeição da vovó: - Lá vem o diabo vermelho...kkk  ela como boa carioca, transformada as tragédias diárias em algo engraçado... uma crônica burlesca do cotidiano.
Olá, você ainda está aí?  Tenho saudades de escrever cartas, acho que e-mails são gélidos... apesar de rápidos...

Aquele tempo em que a carta ficava nos correios até chegar.. o tempo a temperar tudo, o papel, o cheiro da cola do envelope...E, as marcas indeléveis de mil mãos que a tocaram... Recordo-me da última poesia que me enviaste.... era de Cecília Meireles... Lembra?


Poema era: Ou isto ou aquilo na íntegra:

 

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

Tudo na vida é melhor, pois extraímos aprendizados... impressões, sobrevivência e, principalmente, afetos.

Querido, um forte abraço de sua amiga ranheta e destemperada.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 09/02/2024
Reeditado em 09/02/2024
Código do texto: T7995642
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