Liberdade

Gostaria que todos os que lessem este meu texto se convencessem de que não se trata de um lamento por tudo quanto estou a viver, ou um protesto pela situação actual, é antes de mais nada, e fundamentalmente isso, um alerta a todos os que estão prestes a cair na vida do crime, a denominada marginalidade.

Tudo o que aqui vou contar é o espelho da pura realidade do que é a vida no interior de uma cadeia, não irei referir qual é, até porque, na sua essência, todas elas são iguais.

O meu primeiro dia:

Ao entrar pela primeira vez numa cadeia senti-me um verdadeiro animal enjaulado, sem apoio, triste e ignorado pela sociedade, mas consciente que tinha que pagar pelos meus erros, por isso acabei por aceitar que a sociedade tinha razão para me abandonar, embora continuasse a acusar essa mesma sociedade de ser a culpada pelo estava a passar.

A minha primeira noite:

Foi horrível pois não consegui dormir, por muito que tentasse era impossível, ao ver-me naquele pequeno espaço reduzido e sozinho foi uma noite longa e solitária, nem sei quantas vezes olhei para o relógio, o tempo teimava em não passar, até o tempo parecia estar contra mim, não sei dizer quantas vezes revivi o momento da minha detenção, foi a minha noite mais horrível.

O dia seguinte:

Ao ser aberto no dia seguinte, e ao sair da cela para ir tomar duche, é que eu vi a realidade duma cadeia, é um mundo de negócios proibidos, muito superior ao do mundo exterior, aqui tudo se transacciona, tudo tem um preço super empolado, preço esse que pode significar a própria vida humana, aqui não à desculpas para falhas, ou pagas ou…

Em frente:

Hoje em dia já lido bem com a situação, pois já estou inserido nos regulamentos da cadeia, e nos regulamentos da população prisional, é verdade, é como se houvesse dois regulamentos paralelos, muito sinceramente não sei dizer qual deles é o mais rígido de cumprir, tento levar isto da melhor maneira, para que tudo corra pelo melhor e o meu tempo de reclusão custe menos a passar.

Aprendizagem:

Conheci o valor da palavra liberdade, agora dou por mim, vezes sem conta, a pensar em tudo o que perdi durante o tempo que já levo de reclusão, afinal apenas uma pequena gota no total da pena a que fui condenado, quando penso nisto penso que ainda enlouqueço antes de ela chegar ao fim, isto para não falar de tudo o que perdi nos anos em que vivi na ilusão, sim, acreditem, desses anos todos só me ficou a ilusão, tudo o mais se desfez num repente, nada mais ficou, só a ilusão.

Conquistas:

É lógico que quando vivemos uma situação destas, também fazemos conquistas, eu ganhei um novo sentido da vida, conquistei o amor por mim próprio, conquistei o desejo de lutar por uma liberdade sólida e não assente em ilusões, e conheci a minha actual companheira, foi a coisa melhor que me podia ter acontecido durante este tempo todo, pois ela é doce, meiga e muito apaixonada como eu.

Futuro:

Compreendo que ainda não paguei pelos meus crimes o tempo suficiente, mesmo já me sinto pronto para ir em liberdade, para começar uma nova vida com a minha companheira.

Quando falo nisto a alguns dos meus companheiros, ouço sempre a mesma resposta:

“Isso é o que todos dizem, e passado pouco tempo cá estão eles outra vez, não te iludas, a sociedade não nos aceita”

Tenho medo, confesso-vos, tenho medo de voltar a falhar, de não conseguir resistir ás inúmeras tentações que se colocam a quem sai de uma prisão, eu sei que os velhos “amigos” me vão voltar a assediar para que tudo volte a ser como antigamente, afinal eles precisam de quem viva na ilusão para lhes encher os bolsos. Mas não, eu agora tenho aquilo que nunca tive, ou se alguma vez tive não soube aproveitar, eu agora tenho quem me ame pelo que eu sou e não pelo que eu fui, alguém que não me ama pelo dinheiro fácil que o crime me proporcionava, não quero esse dinheiro.

Prefiro ser pobre e viver com dificuldades, mas viver, do que poder esbanjar dinheiro e não viver, iludir-me tão-somente.

Não me orgulho do meu passado, não me orgulho da vida que levei, não me orgulho de estar preso, mas orgulho-me do homem em que a prisão me tornou, e bastaram duas coisas:

“Privarem-me da liberdade e darem-me amor”

Jovens pensem nisto antes de se atirarem de cabeça.

Carta que me foi facultada por um meu ex-aluno, no momento em que pisou terreno livre, outra vez.

Ps: Estou hoje a publicar esta carta, com sua autorização, porque é o 10º aniversário do inicio de uma nova vida, continua feliz com a sua companheira, já esposa, e com um filho lindo do qual sou o padrinho.

FrancisFerreira