Carta de um pobre infeliz

É incomensurável o quanto estimo sua leitura do relato que passo a discorrer, pois é de extrema urgência! Primeiramente, pergunto-me: quem é que nunca teve de travar uma imensa guerra contra si próprio? Pois bem, ando durante muitos dias nesta situação, não quero entrar em detalhes, o que seria na verdade bastante inconveniente, mas por questões de respeito quero lhe manter informado. A tal guerra que comento vai além das simples batalhas do dia-a-dia. Estou falando de Guerra, com G maiúsculo. Peço desculpas pela falta de clareza, atrevo-me a dizer que vivo um duro e fatigante dilema. Isto mesmo, por motivos que aqui não cabem, deparei-me

num grandioso abismo chamado dilema, daqueles em que a decisão tomada precisa ser bastante cautelosa, mas mesmo assim sempre um dos lados sai gravemente ferido, ou até pior... Eu bem sei como é difícil conseguir extenuar os sentimentos através das palavras, isto seria o papel de um poeta, coisa que não me cai bem no momento. Acontece que, sem rodeios, preciso fazer uma breve confissão...

Não, não é nenhum crime, como talvez pense, se bem que por outro lado talvez o seja... Novamente peço perdão pelas minhas divagações, aproveito e alerto que desde agora acredito que se repetirão ainda mais... Acontece que ainda me atormenta a terrível "de-cisão" a tomar... agora vejo que realmente escolher é excluir... Conforme dizia, atualmente travo uma guerra épica contra mim mesmo... Tão desesperadora é a minha situação que atrevo a dizer que às vezes sinto que vou enlouquecer... Tudo parece contra mim... Não te peço piedade, nem quero que pense em auto-piedade, não é isso. O fato é que a realidade é imperiosa em determinados assuntos, e tal como uma tirana exige uma posição. Posição esta que exige de mim a mais completa submissão... Preciso realmente encará-la de frente, enfrentar sua face mais dura. O problema é que sinto lentamente minhas forças esvaecerem, cada vez que me deparo com o futuro a seguir... Bem sei o quão diferente será daqui em diante, e creio que, não menor que as conseqüências que virão, é isto que mais me flagela. Até minhas mãos parecem não mais me obedecerem, penso que a qualquer momento se voltarão contra mim. É claro que quem me vê, não entende do que falo... É bem alem da visão puramente humana... Se externamente me vêem livre, é porque não enxergam as grossas correntes que prendem o meu ser... Não vêem os pesados grilhões me atando... Nem vêem o quanto estou amarrado... Sim, digo que as indecisões me amordaçam... Estou neste momento perdido em meio a uma floresta fechada e de mãos nuas... Estou enfrentando uma terrível tempestade a bordo de um caiaque... Estou sendo arrastado para o fundo da areia movediça...

Esta é a situação que me encontro, sei que não confesso o que devia... Não me culpe por isso, até porque não seria possível, este fétido monstro, a culpa, esta arraigada em meu ser nestes últimos dias... Pesando... E me fazendo esmorecer... Também sei que aqui se encontram apenas linhas e mais linhas de palavras vagas, mas creia, escrevo isto com o mais profundo pesar... Uma aberração toma conta de minha lucidez...e por incrível que possa parecer, me atormenta não sentir próximo o fim...

... É interessante como é fácil cometer erros e mais simples ainda preveni-los... E pensar que tudo começa tão simples e inocente... Que tudo começa na leve curiosidade... Num pequeno querer... Em simples pensamentos... E então cai a primeira peça, que de singela e pura, leva a uma cadencia infernal com desastrosos fins... Talvez esta seja a melhor metáfora para exprimir o meu desespero: neste momento pareço estar entre dois gigantescos edifícios, entre duas imensas torres, estou tentando em vão segurar o que esta a minha frente, como num destes terríveis pesadelos que nos castigam durante o sono, estou gastando minhas últimas forças para que o primeiro não venha a derrubar o segundo, um descomunal edifício que se encontra atrás de mim... E por mais triste ainda que pareça esta situação acredite, atrás de cada janela, se encontram milhares de inocentes vidas...

Desde já agradeço por ter lido até aqui, apesar de saber o quanto fui extremamente obscuro e prolixo... mas acredite, seja verbal ou seja escrito, somente a confissão e consequentemente o perdão, pode limpar a mais imunda alma.

Seu infortunado amigo.