Querido Senhor Locutor

Querido Senhor Locutor:

Não querendo ser clichê, mas necessito escrever-te. Tampouco agora me importa ser clichê, daqui a algumas horas estarei morta mesmo, e qualquer impressão que passe será de certa forma bem vinda pela minha alma destinada a outro lugar.

Nunca conversamos muito, muito menos essas poucas vezes estenderam-se a coisas particulares ou íntimas, mas sempre falaste comigo em sorrisos, te mostrastes simpático sempre, e uma vez que tropecei em sua frente prontamente me estendeu a mão e não cai! Além de escreveres uma boa história, ter idéias incríveis e uma voz maravilhosa.

Poderia escrever para um parente, para qualquer pessoa da família ou um de meus grandes amigos, mas aproveito estes instantes antes do último suspiro para dar Adeus a você que nem pude ao menos contemplar com um decente oi, e a quem eu desejava que muito fosse um grande amigo.

Tudo aconteceu tão depressa, e conto contigo para que depois que leres isto, diga a todos que gostavam de mim, ou fingiam que gostavam, que já não mais resido entre os vivos. Para que isso saia bem feito conto como tudo aconteceu: estava eu indo para meu novo trabalho, o primeiro dia em meu novo trabalho, chefe de redação de um grande jornal aqui da nossa cidade, cargo que sempre sonhei desde que iniciei a faculdade de jornalismo, e que agora depois de formada e com experiência é tornou-se possível. no entanto numa contrapartida do destino, numa calçada limpa, ainda molhada e com espuma de sabão, me raptaram, era um seqüestro, me fizeram cheirar algo e nada mais vi, acordei nem sei quanto tempo depois, aqui. Não foram violentos, tampouco me trataram com educação. Chorei, me desesperei, não acreditava no estava acontecendo, cerca de horas depois ligaram para minha família, e contaram o que estava acontecendo, consegui ouvir, e até mesmo ver o choro de minha mãe... Chorei também, pediram um resgate alto, e falei nem cinco segundos com minha mãe, só disse que amava a todos, e arrancaram o telefone de minhas mãos. Não sei o que aconteceria, não tínhamos muito dinheiro, muito carinho era o que nos mantinha ricos. Estou num lugar sujo, é escuro, todo de concreto, mas pintado de creme, manchado, falhado claro, recebo comida três vezes por dia, emagreci bastante, tomo banho dia sim, dia não, me dão uma toalha, tem um chuveiro gelado aqui, e me dão um sabonete também. Sei que ficam me espiando por um buraco na parede, mas o que eu vou fazer? A sala não tem qualquer janela, mas tem um colchão, e muitas cobertas, muitas mesmo, pensei em me enforcar com algumas delas, mas tinha esperança de que saísse daqui sabe, e também não tenho coragem acho. Tem um quadrado, com um pequeno balcão, por onde colocam minha comida, este papel e esta caneta e todas as outras coisas, é fechado com uma portinha de ferro, aberto nestes momentos e só, pude notar nos poucos segundos que ele é aberto que trata-se de um grande corredor, cheio de portas como a minha, apesar de nunca ter estado numa prisão, me lembra bastante isso. Ganho uma garrafão de refrigerante cheio de água, só um por dia, tenho que passar com aquilo, e para passar o tempo pedi timidamente papéis e canetas, e aceitaram em me dar, deram até mesmo uma prancheta para apoiar as folhas sulfites, escrevi contos, poemas, e de tudo um pouco. Desconfiei que haviam mais pessoas seqüestradas aqui, mas não ouço nada. No começo gritava, planejava fugas, chorava muito, muito, e agora, segundo minha contagem, depois de um mês e meio, parece que me conformei. Pude então comprovar quando ganhei, junto com um almoço, um pequeno relógio com calendário também.

Eles não falam nos corredores, ao menos não ouço, não fazem muito barulho, e nenhum barulho vem de fora, por isso nem sei me situar, não só sei que estou na minha cidade porque chegou um bilhete dizendo... Eles são assim, preferem mandar bilhetes do que falar diretamente, e foi num bilhete há duas semanas que me disseram que minha família tinha conseguido o dinheiro e eu seria libertada... Me senti renovada, gritei, chorei de novo, até me mandarem parar fazendo ameaças. Bebi um pouco de minhas lágrimas, e lembre do mar, moro perto do mar, estou com saudade dele, de todos claro, e inclusive do senhor. Contei cada segundo, para cruzar a maldita porta de ferro que me separa do meu amado mundo, que construí com tanta dificuldade, que era tão perfeito e que estes infelizes tiraram de mim com tanta facilidade. Mas então faz dois dias, que entrou um grande homem, sujo encapuzado aqui, fiquei com medo, ele me disse bravo que tinham descoberto que eu era jornalista, e por isso decidiram me matar dali a dois dias porque se não quando saísse daqui iria fazer matérias e notas contando a todos sobre isto. Prometi, jurei por tudo que não faria isso, implorei, porque não quero morrer, mas não adiantou, e hoje daqui a pouco irão me matar, com um tiro e sem sofrimento. Falando isso, eles me deram um chute no estômago, e doeu muito... Desgraçados! Dói só de lembrar, está bem roxo sabe. Ah senhor locutor, é o tipo de coisa que jamais imaginei passar na vida, porque é tão triste, notei aqui como somos pequenos. E com a minha morte me concederam mais um direito, de escrever para alguém falando qualquer coisa, pela última vez. Me deram mais papel e uma caneta nova, dessas de ‘clic-clic’ de propaganda, mas era uma caneta nova, e disseram que levariam a quem eu quisesse, depois que estivesse já morta, jogada num lixão entre restos de comida e urubus. E decidi a escrever a você, porque hoje vou morrer e não quero guardar rancor de quase ninguém. O desejo de ser sua amiga era apenas para aliviar a tensão que você sabe muito bem que existe entre nós. Você nunca me aceitou em sua emissora de rádio, apesar de me conhecer muito bem, ser amigo da família, ter o poder em mãos, nunca gostou de mim. Agia sempre com falsidade. Porém, sempre em seus programas dirigiu inúmeros recados para todos os que gostava e que estavam distantes, você sempre me ajudou a manter contato com os que amo de longe, transmitindo os beijos, as músicas oferecidas e tudo mais que sempre disse no ar e você repassou a meus entes queridos. Por isso é que quero te agradecer, porque poderia estar escrevendo a meus pais, ou outros parentes de maior distância, porém a todos eles foi você me ajudou a manter os laços. Para provar que não tenho rancores, e que um dia ainda queria estar ao seu lado, falando noticias e tendo sua companhia de amigo é que escrevo-te senhor locutor, para que também lembres das inúmeras vezes em que isto foi possível só dependendo de você, e nunca aceitastes, nunca me desses uma chance... Agora é tarde, não quero que se arrependa, e passe subitamente a me idolatrar, tu que nem esperavas, e nem sabias destes meu sentimentos, mas tinha noção desta minha situação. Apenas seja melhor do que conseguires, porque isso faz milagres, e evita receber correspondências de pessoas que estão prestes a morrer. Ah, senhor locutor, estou em paz agora. Por favor, num último gesto de seu falso carinho comigo diga que amo a todos em minha casa quando receberes isto. Agora preciso encerrar porque estão abrindo a porta, é a hora marcada para eu morrer, estão chegando para me matar senhor locutor, então não posso mais escrever nem uma linha, me desculpa, mas tenho de morrer agora, (malditos), eles entraram, estão me olhando e deixando terminar isso, com uma arma em mãos apontada pra minha cabeça, eu não consigo mais escrever, e acho que estão sorrindo. Obrigada.

Com carinho

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 19/02/2008
Código do texto: T865971