Se eu morrer amanhã

Fui invadida pela tristeza e meus olhos inundam-se de lágrimas. Sinto-me como se fosse apenas mais um objeto da casa, que não respira, não ouve nem vê e que também nada sente. Um simples objeto, sem valor, pelo qual as pessoas passam e não dirigem palavras, sequer olhares. Como se fosse mais uma coisa para atrapalhar-lhes o caminho.

Minha dor me sufoca, o choro me afoga em mágoas profundas, ninguém liga, ninguém vê, sofro e me afundo em silêncio na tristeza. O álcool me alivia a dor momentaneamente, mas seu efeito é pouco duradouro e depois tudo piora. Não sinto fome, apenas como para seguir respirando, para seguir entristecendo pouco a pouco, dia após dia, minuto após minuto.

A solidão dói, a angústia corrói por dentro o corpo que aos poucos está afinando, definhando. No rosto nota-se uma profunda palidez, sou como um fantasma. Vago pela casa me arrastando. Penso nas pessoas que amei e que perdi, quanto mais as amava mais rápido eram consumidas pela morte ou pelo adeus, o esquecimento.

Cada um tem sua vida e ninguém se lembra desse coração solitário e triste que aos poucos está morrendo. A solidão machuca e junto com a tristeza transforma-se em doença. Sinto-me doente, como se não tivesse muito tempo e que minha vida aproxima-se do fim. Quem falar que nunca imaginou sua morte está mentindo. Se alguém comparecer ao meu funeral poderá dizer “ela estava tão triste nos últimos dias”, “morreu sozinha”, e alguém poderia pensar “ela me amava!”.

E se eu morrer amanhã? Não tenho muito o que deixar em vida, dinheiro não possuo, apenas dívidas, talvez alguns poucos móveis de meu quarto, algumas roupas, alguns livros, os quais tem sido meus últimos e únicos amigos, fiéis companheiros de solidão. Talvez alguns textos que eu tenha escrito, que poderão ser facilmente deletados do HD do computador ou que nunca serão lidos por alguém, alguns livros iniciados e os quais nunca terminei de escrever, deixo minha gata que também me acompanhou por muitos anos, sendo a mais fiel companheira que já tive em minha vida, a qual me fez esboçar muitos sorrisos e derramar algumas poucas lágrimas.

Que triste é essa sensação, de que tudo pode terminar amanhã, que medo, que ansiedade... Que alívio!

A depressão é uma doença grave, que vai matando aos poucos, um pouquinho por vez, a cada dia. Ela me domina a mente, o coração e o corpo. Não sei como consigo escrever ainda, acho que é uma forma de desabafo, de saber que alguém poderá ler estas palavras.

Pouco saio à rua, só por obrigações, e tenho que disfarçar com forças que já não mais possuo. Sempre com um livro nas mãos ou então ouvindo músicas, das quais estou cansada. Uma sensação de cansaço me aborda e atordoa, deito na cama e só penso em dormir, queria não mais acordar. Às vezes tenho insônia e pego meu livro para ler ou então resolvo escrever, como agora. Sonho com a felicidade que há muito eu perdi, acho que ela perdeu meu endereço e por isso não consegue voltar para mim.

Vejo que as pessoas são egoístas e eu sei que também sou, pois gostaria que outros se importassem comigo e tentassem me ajudar, estou cansada demais para lutar sozinha novamente. Tenho 25 anos e estou cansada da vida há muito tempo, parece que estou apenas pagando alguma dívida da minha vida passada e que por isso ainda estou respirando, porém percebo meu corpo cansado e desistindo também ao poucos, gostaria de fazer tantas coisas mais... Casar, ter filhos, amar e ser amada de verdade. Destino maldito, maldito dom da escrita e do pensamento que me corroem por dentro e só fazem crescer esses sentimentos. Malditas lágrimas levemente salgadas que degusto todos os dias.

Esses dias resolvi ir conhecer a Catedral, nunca havia entrado lá, me sentei no banco e fiquei ali observando, fiquei chocada ao descobrir que perdi a fé e que esqueci das rezas que aprendi quando pequena. Os anjos e santos me observavam com tristeza e pesar nos olhos, pois nem eles puderam me ajudar. Levantei envergonhada e cabisbaixa, fui embora.

Meus olhos pesam, o objeto ignorado por todos, sinto-me uma estranha em minha própria casa, como se não fosse mais bem-vinda por aqui. Acho que se eu sumisse ninguém ligaria ou sequer notaria minha ausência.

Mágoa, é isso que sinto em minhas artérias e veias, não é sangue que por ali corre, é mágoa que circula pelo meu corpo. Esse líquido gelado que me paralisa o coração pouco a pouco.

Mãos trêmulas com dedos finos e longos escrevem sem medo sobre os sentimentos de uma criatura que está entregando sua vida, desistindo de sobreviver e negando-se a continuar sentindo-se como um mero objeto em um cômodo qualquer. Já não tenho mais vontade e nem forças de falar, cada dia é pior e o peito está apertando cada vez mais, diminuindo o espaço que ocupa meu coração, prensando-o, esmagando-o, até matá-lo de vez.

Enquanto nada acontece, fico olhando pela janela o céu enegrecido e cinzento e a chuva que cai como se fossem as lágrimas dos anjos e santos que naquela tarde me olharam tristemente na Catedral, pois não conseguiram me ajudar. E assim espero o dia de minha morte, com solidão e tristeza no olhar, com a respiração entrecortada a ponto de quase parar.

Lilith Góthica
Enviado por Lilith Góthica em 19/04/2008
Código do texto: T952374
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.