CARTA A UM PAI DISTANTE

Meu pai.

Tentarei ser breve. Isso é meio difícil pra mim, que gosto muito de escrever, e de escrever muito.

A J. me falou que você não sabe o que vai me dizer, que não está preparado para conversar comigo. Sabe de uma coisa? Eu tenho a mesma sensação. Isso é muito natural, não é? Somos dois homens. Se fôssemos dois meninos isso seria mais fácil. Mas ser homem é mais difícil que ser menino. Aliás, ser homem parece ser a coisa mais difícil do planeta. Tenho certeza que é. Acho que, na humanidade, os costumes foram construidos de uma forma que as maiores responsabilidades são atribuidas ao sexo masculino. É um peso a mais que colocaram sobre a gente. Isso tem até mudado um pouco, mas não deixam de esperar dos homens uma responsabilidade maior do que das mulheres.

Eu tenho uma única filha, além de um enteado. Não me sinto um bom padrasto, infelizmente. Quanto à minha linda filha, olho pra ela e fico procurando pedaços de mim nela. Qual pai não faz isso, não é mesmo? É a força da natureza. É a nossa única certeza de imortalidade: através de nossos filhos, que vão ter netos, que vão levar para a eternidade pedaços de nós, o nosso dna, essa realidade tão bela. Desta forma não morremos - isso é uma certeza. As outras formas de imortalidade prometidas pelas religiões são lindas esperanças, mas não constituem certezas.

Eu passei, meu pai, a vida inteira ouvindo boas coisas a seu respeito. Espero que essa informação lhe faça sentir bem. Minha mãe de vez em quando me compara contigo. Ela diz que nos parecemos, fisicamente e até comportamentalmente.

Bem. Está se aproximando o momento em que vamos nos rever, depois de tantos anos. E você vai ver mais uma neta. E vai ver então mais um pedacinho do J. C., solto no mundo.

A L. tem um monte de perguntas a fazer. Eu te digo que eu não tenho muitas perguntas, não. Na verdade eu não quero te perguntar nada. Só quero estar contigo, da forma mais natural e leve possível. Não espero nada de você, pai, além de que seja você mesmo: um homem com 73 anos e uma história de vida que não é menos importante que a de nenhum outro homem do mundo. Nós, pobres homens, somos seres ricos em vida e complexidade.

Certo dia, há muito tempo - há uns 23 anos -, você me falou de pessoas que são falsos-moralistas (ou simplesmente "moralistas", não me lembro bem). Aquilo que ouvi de você me fez ver que a tua visão de mundo não é limitada a preconceitos morais. E é assim que procuro observar a vida: sem fazer juízos antecipados e maldosos das pessoas. E essa parece ser uma regra de ouro para a vida: fazer com os outros o que gostamos que façam conosco.

Está sendo bem interessante esse contato pela Internet e telefone com a J. e a L., minha xará. Mais tarde talvez eu queira conhecer também os meus outros parceiros de DNA. Mas, por enquanto vou com elas duas, que são as que mais me atraíram, talvez porque eu tenha ouvido o nome delas primeiro, quando eu era ainda adolescente. Os nomes delas me vêm à mente, de vez em quando, no decorrer desses anos. Sabe o que eu acho? Acho que você é um homem de sorte, com essas moças aí.

Qualquer dia a gente conversa, pai. E conversa com calma, e com leveza, e fala umas sacanagens, que eu também gosto muito disso.

Um abraço apertado.

Seu filho.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 11/05/2008
Código do texto: T985038