Porque não fiquei com Ana.

Ela colocou a mão direita na minha nuca, a mão esquerda sobre a borda do teto do “carango”. Pediu para ficarmos. Afetuosamente dizia que o tempo estava pra chuva. “Quando chove um temporal como o que está por vir, as estradas destas bandas viram um barreiro com muito perigo para dirigir carro. Tomem mais uns tragos e se acomodem”. Diante da nossa insistência de despedida, nos convidou para voltarmos mais vezes e que o próximo domingo a programação de Alto Liberdade seria das boas. Fitou-me com os olhos tão azuis e forçou o meu pescoço para acontecer um beijo. Constrangimento puro. Duas mãos no volante e não cedi. Então tchau, tchau, ..., vão com Deus! Passei a primeira e arranquei o carro e a graça da mulher. Certamente se sentiu a última.

Cem metros à frente, gargalhadas uníssonas no carro. “Mas ela só queria um beijo, desses de mordidinha que você diz saber dar”. Dizia Adejander, saboreando o som de cada palavra. O Dotô Digo também não se calou, dizendo que nunca havia visto alguém de pescoso mais rijo. Mas só o pescoso! Rá, rá, rá...! Válber para não ficar de fora, nada original, cantarolou com uma voz pastosa, típica de bêbado “ não interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa”. Ah, Válber, pudera eu dar uma descarga!

E, assim descemos aos risos pela estrada poeirenta, parelha ao Rio Liberdade. Disse a eles, que, já que achavam esse episódio tão interessante que colocassem na Difusora para o Alcenir noticiar. Já que foi tanta notícia o refugo do Baloubet du Rouet, o meu refugo também daria IBOPE !

Até que a chuva da Ana veio e o pó tornou se barro. Alguém, não me lembro, disse profeticamente “tamos fudidos”. Foi assim que o Escort (bofemóvel, como diria o Guidoni, mas mofando em casa!) deu-se a patinar estrada afora até girar e por poucas polegadas não encontrar uma parambeira de plantação de bananas. Isso colocou sobriedade em todos. Que continue a sorte!

Domingo outro, recompostos, estávamos de novo em Liberdade.

Ana estava lá sentada, coladinha a um homem de cabelos de cachos uniformes, olhos claros, branquíssimo como bruma e longe de ser galã. Não parecia jovem, mas tinha um quê de jovialidade em gestual. Ele acariciava o rosto lívido e maduro de Ana como se gostassem muito. O “forró pé de serra” fervia na cabana. Os dois, a mim parecia, sentiam-se a sós no mundo. Nenhuma grana tiraria-os daquela mesa sombreada por uma calabura. Quando acabei o grande copo de cerveja, tomei ânimo e como se vestisse um casaco de general fui ter com os dois. Não sei porque “cargas d’águas” fiz isso.

Ela cortês e riso conhecido. “Fidélis, este é o Lu, ele sabe fazer a cabeça da mulherada. Jack vai arrumar o cabelo com ele, lá em Colatina, para o casamento!” Galega desgraçada. Não me chamo Lu, não faço a cabeça da mulherada, ainda mais nesta acepção. Não a beijei no domingo da chuva, não por questão de distantes nossos anos de nascimento, foi só porque fiquei avexado com a turma.

Não me chateou Ana. Para um hipócrita como eu, isso não era pouco!

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 24/01/2006
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