Um Ano em Pereirópolis I - "O Narrador"

Essa história começou em Cruz Alta.

Eu estava me preparando para começar a trabalhar. Recém saído da faculdade, cheio de idéias, umas dívidas e um contrato de trabalho em uma cidade vizinha, Boa Vista do Cadeado. Esperava o ônibus em uma parada perto do Ginásio Municipal. Outras pessoas também esperavam. Entre elas, um senhor grandalhão, cabelo branco, com uma respeitável e senhoril barriga, de calça social e sapato combinando com o cinto. Era o Seu Horácio.

Perto da parada havia uma pracinha. E entre esta, o ponto do ônibus e o ginásio havia uma calçada, dividida em duas por um degrau. Nesse lugar, todo dia havia um grupo de adolescentes que andavam de skate - nenhum era um Mineirinho, ou um Rodney Mullen, mas saia uns ollie, um flip, e tal. Mas o que mais me chamou a atenção não foram as manobras dos guris, mas a admiração do velhinho. Ele viu que eu também estava olhando, me encarou rindo, e falou

- Antigamente a gurizada andava sentado em cima dos carrinho de lomba. Agora pular eles conseguem.

O assunto começou ali mesmo. Contei que eu também tive carrinho de lomba. Não fui eu quem fiz - na verdade, comprei de uns primos. Era enorme, pesado, com três rolamentos de caminhão, e tinha o modelo parecido com um carro de Fórmula 1. Era tão grande que tinha até espaço para caroneiro. O velhinho contou que quando ele era pequeno não existia asfalto. O avô dele tinha uma olaria, e havia um carrinho usado para transportar os tijolos assados para fora. Um dia, ele e os irmãos - eram cinco - carregaram o tal carrinho até um barranco, que tinha um descidão de uns duzentos metros que terminava em uma sanga. Desceram. O problema era que o carrinho era muito pesado, e começou a pegar velocidade. E quanto mais desciam, mais rápido o carrinho ficava. E a cada dez metros, uma das crianças caia estabacada pelo caminho. O único que ficou em cima foi o Horácio, o menorzinho. O carrinho já devia estar a uns cem por hora, e só parou quando ele - e o guri - embicaram dentro da sanga. O resultado não foi outro: uma tunda de laço nos outros quatro, que quase mataram o pequenininho afogado.

Chegou o ônibus. O Seu Horácio também ia para Boa Vista, para visitar uns parentes. Sentei ao lado dele - as poltronas não eram numeradas, cada um sentava onde queria. Era uma hora de estrada de chão até lá. O homem era muito conversador. Em poucos minutos fiquei sabendo que ele não morava em Cruz Alta, mas em uma cidade da qual nunca, jamais tinha ouvido falar: Pereirópolis.

Bem. Nessa uma hora de conversa - a primeira milhares de horas que viriam depois - Seu Horácio colocou-me a par de muitas coisas sobre esse lugar, que era tão encantador como absurdo.

Mas essas histórias vocês vão conhecer aos poucos.