Mãe, sangue fede?

O Personagem central desta história contada em minha cidade, eu o conheci quando menino, e hoje, acredito que foi protagonista de uma história parcialmente inventada. O fato ocorreu em 1926, quando a Coluna Prestes chegou e por lá ficou vários meses tumultuando a vida dos seus habitantes.

Os revoltosos, assim chamados, depois de confiscaram tudo que precisavam, tomando do povo, dinheiro, alimentos e até animais, acamparam-se nos arredores da cidade. No acampamento havia sempre um homem de plantão, fazendo a guarda, e se alguém tentasse se aproximar corria o risco de levar um tiro ou ser preso. Só voltavam à cidade quando acabavam seus mantimentos, para se reabastecerem de graça no pequeno comércio local.

As pessoas com medo, enterraram suas jóias e dinheiro. As mais apavoradas, para não entregarem seus pertences, esconderam-se no mato, levando consigo o que podiam carregar e para não serem descobertas, amarravam os bicos dos galos e os focinhos dos cachorros, com medo de que eles denunciassem seus esconderijos.

Entretanto, muita gente tinha curiosidade em saber o que aqueles homens faziam no acampamento, por sinal, muito vigiado. Entre elas havia um rapaz de 20 anos, metido a valentão, filho de um político da cidade e acostumado a fazer o que bem entendesse. Decidiu espionar o acampamento e sem contar a ninguém, como costumava fazer nas suas maluquices, planejou e a executou em segredo. Mas, em pouco tempo, toda a cidade ficara sabendo.

Na noite apropriada, sorrateiramente se dirigiu ao acampamento. Foi a pé. Depois de uma meia hora andando pelo mato, chegou. Parou para tomar fôlego e observar. Procurou chegar mais perto para ver melhor o que aqueles homens faziam. Depois contaria para a cidade o que viu. Apenas isso compensaria o risco.

Apesar do medo de ser descoberto, que começava a se manifestar, a curiosidade o empurrava. O coração batia forte. Ele avançava. Chegou bem perto e viu que a agitação lá dentro era grande. Espichou-se para tentar ouvir alguma coisa. Distraidamente, pisou em um gato que se assustou e provocou um grande alarido que chamou a atenção do sentinela, que gritou. Quem está aí?

Ele correu de volta. O guarda, imediatamente, atirou em sua direção. O estrondo ecoou pela noite a dentro. Ele caiu e ficou estirado no chão, tremendo. Um cheiro de pólvora penetrou ardente nas suas narinas. Apavorado apalpou-se, rapidamente, em cada parte do seu corpo, buscando algum sinal de bala. Não encontrou. Mas, sem perda de tempo levantou-se e correu. O chão parecia fugir debaixo de seus pés.

Outro tiro e suas pernas fraquejaram. Mãe me salva! Gritou. Naquele mato escuro ninguém podia acudi-lo. O ruído das folhas secas, pisadas por ele, aumentava a sensação de medo. Mesmo assim, conseguiu reunir forças para correr. Era como se o seu instinto, sussurrando no seu ouvido, ordenasse: corra mais rápido, escape.

Tinha certeza que estava ferido, aquele fedor em suas calças e o molhado a empapar suas pernas, só podia ser de sangue, por isso corria. Queria morrer em casa,na sua cama. Quem visse seu rosto e não soubesse o que se passava, pensaria que ele estivesse louco.

Finalmente chegou a sua casa. Já possuído pelo pânico, bateu forte na porta vá-rias vezes, chamando pela mãe que acordou assustada. Ao vê-la perguntou desesperado:

- Mãe sangue fede? Se feder, estou ferido.

Não esperou a resposta. E antes mesmo que sua mãe dissesse alguma coisa, en-trou correndo e foi direto para o quarto onde esperava morrer. Meu filho gritou a mãe, o que houve? Mas, ele não respondeu. Não podia responder. Não tinha nenhuma necessidade de falar.

Ofegante entrou no quarto. Trancou a porta com rapidez, o coração batendo, descompassadamente, dando a sensação de que lhe saltaria pela boca. Certo de que a sua hora havia chegado, não queria ver ninguém. Morreria sozinho. Por mais que a mãe insistisse, não conseguiu fazê-lo abrir a porta. Sentou-se na cama e desmaiou.

Pela manhã, quando abriu os olhos, teve dúvidas se ainda estava vivo. Mas, a primeira coisa que notou, foi o estado deplorável de suas calças, toda suja e fedida. Ao sentir o fedor grosso que dela exalava, teve a certeza absoluta de que não estava morto nem ferido.