Um ano em Pereirópolis VIII - "Salgadinho"

Vício e apelido é coisa difícil de se livrar.

Um dia a Dona Cleuza, mãe do Frederico, descobriu que o dito cujo estava roubando de dentro de casa para alimentar o vício. Foi um “Deus-nos-acuda”. Gritaria, xingamento, até choro convulsivo e ameaça de surras por causa da vida que o guri andava levando.

“Lembra do Tio Adão? Morreu por causa dessa mesma mania. Isso faz um mal terrível pra saúde!”

A coisa ficou tão grave que a Cleuza não se sentia em paz enquanto o filho não voltava para casa. Vigiava seus movimentos, inspecionava a mochila, controlava todas as saídas, com quem andava e aonde Frederico ia. Passou algum tempo, a Cleuza foi amansando e abrindo as cancelas. Isso porque o individuozinho deu provas incontestáveis de que voltara a ser o guri confiável de antes. Entretanto, uma tarde que o Frederico saiu para jogar bola com os amigos, um dos tais entrou correndo pela porta dos fundos, berrando pela Cleuza, com os olhos esbugalhados como quem tinha visto um fantasma.

“O Quico, Dona Cleuza! O Quico tá passando mal lá no campinho!”

O relato do camarada não chegou nem perto da cena que Dona Cleuza presenciou. Seu filho estava seminu, rolando pelo chão, gritando e esfregando as partes íntimas como se estivessem queimando. A dona-de-casa juntou as roupas espalhadas e apressou-se em vestir seu menino. Quando alinhava as cuecas para enfiar-lhe nas pernas, a dona-de-casa viu o que não gostaria de ter visto. Não teve dúvidas: estava lá, o pó branco e brilhante, oculto em um saquinho plástico nas roupas íntimas de seu filho. Para o azar de Frederico, o embrulho arrebentou, o conteúdo esparramou pelas cuecas e acabou entrando onde não podia ter entrado.

O pobre coitado não sabia onde se enfiar, de vergonha - e de medo - da mãe, e do vexame que estava dando na frente dos amigos. Tinham todos os outros os mesmos hábitos do Frederico - o Quico, como todos o chamavam - mas nenhum precisava fazer as manobras que ele, a ponto de esconder dentro das cuecas. O Frederico, porém, não estava pensando em nada disso. Queria mesmo era que tudo aquilo acabasse de uma vez.

"Ai, ai, ai! Me ajuda, mãe! Tá ardendo! Tá ardendo!"

Dona Cleuza não pôde conter a risada. Nem ela, nem os amigos. É lógico que a mãe zelosa que era não ia deixar o pobrezinho ali, pelado, exposto à curiosidade das vizinhas que se alarmavam com qualquer ajuntamento de gente. Vestiu-o e levou-o para casa, da melhor forma possível, já que Frederico quase não conseguia caminhar por causa da ardência nos fundilhos.

Depois desse episódio fatídico, o guri nunca mais - mas nunca mais mesmo - quis nem ouvir falar em comer limão com sal. O pior foi ter que aturar os amigos chamarem-no até hoje "Quico Salgado". Ou, afetuosamente, Salgadinho.