Um ano em Pereirópolis IX - "A verdadeira história do velho do saco"

Uma realidade em Pereirópolis é que muito de seu território é ocupado por lavouras. Uma dessas fazia fundo com um campo de propriedade do Exército. Anos mais tarde, a tal fazenda foi desapropriada e incorporada pelo município, tornando-se um loteamento urbano. Hoje é o Bairro Setembrino da Silva. Diferente de outros bairros que têm seus nomes por causa de eventos históricos ou em homenagem a políticos locais, aquele bairro foi batizado por um acaso curioso. Ou melhor, por causa da curiosidade desse personagem.

Seu Setembrino da Silva era daquelas pessoas que já são idosas quando os idosos ainda eram jovens. Havia quem o chamasse “Setembrino Matusalém”. Outros, ainda mais maldosos, falavam que se fossem somadas as idades do Seu Setembrino e da Dona Maricota, aquela do Sabão Milagroso, o resultado passava de trezentos anos. Morava numa casinha isolada em uma quadra de terra doada a ele por um compadre, que, aliás, era seu único vizinho. Conhecido pelas invencionices, o velho Setembrino passava dias enfurnado num galpão no fundo do pátio, de onde só saía para comer para dormir, o segundo menos que o primeiro. Passado um tempo, o velho aparecia com uma nova criação, que eram coisas interessantes, mas não menos absurdas: um espantalho que se mexia quando os pardais se achegavam na horta, ou sistemas de irrigação, ou alavancas para abrir e fechar o galinheiro ou ainda um distribuidor de ração para os pombos-correio que ele criava. As matérias-primas de suas obras-primas eram coisas que ninguém mais quer. Por isso, quando não estava inventando algo, caminhava pelas ruas da Vila da Pereira - futuramente Pereirópolis – carregando um saco de sucata às costas. Não, não é coincidência: Seu Setembrino deu origem à lendária figura do “Velho do Saco”.

Um dia, nas andanças entre uma empreitada e outra pelo lugar onde atualmente é o bairro que tem seu nome, o velho Setembrino entrou em um terreno baldio para dar vazão aos reflexos parassimpáticos. Enquanto obrava, observou o lugar com os olhos atentos de sempre. E sua busca não foi infrutífera. O inventor encontrou um objeto cilíndrico formado por muitos gomos de metal – como um ananás, só que menor – enferrujado, mas ainda inteiro. No lugar coroa do tal ananás, uma alça comprida e um pito que unia a essa alça uma argola. Terminou o “serviço” e levou o achado para casa.

De tudo quanto foi maneira, o velho tentou desmontar a coisa, e o “ananás” não cedia um milímetro. Deu nele com golpes de marreta, usou uma serra de cano, bateu com um facão até deixá-lo sem fio, e nada. O compadre e vizinho, alarmado pela barulheira e por não ter visto o Setembrino por muitos dias, resolveu dar uma conferida, ver se estava tudo bem. Encontrou o homem sesteando, escorado na parede do galpão, sentado em um mochinho – um banquinho sem orelhas, coisa que era muito comum nas casas de gente simples. Dentro do recinto havia um braseiro aceso. Curioso, o compadre entrou pé-por-pé para ver o que o Setembrino estava inventando daquela vez. Transtornado pelo susto, apagou o braseiro com um balde d’água. Não foi fácil convencer o velho Setembrino que aquilo era perigoso.

“Mas é só um ferro véio sem sirvintia!”

E ninguém convenceu o Setembrino de que o “ananás” era, na verdade, uma granada. Para a sua sorte, era só o casco. Mas, por via das dúvidas, o Exército fez uma inspeção rigorosa no campo onde ele a havia encontrado e nas imediações. Nunca foi publicado nenhum relatório, mas, dizem as línguas dos curiosos que foram achadas mais três, e que uma explodiu. Mas isso ninguém confirma.