Um ano em Pereirópolis XI - "As três comadres"

Cássia, Marta e Rafaela têm a mesma idade, e são amigas desde que se lembram. Para estreitar os “laços familiares”, eram madrinhas umas das bonecas das outras. Sempre juntas, as três foram prendas do CTG, fizeram a catequese, foram passar o verão em Torres, outro no Cassino, e viajaram com a turma da oitava série para São Miguel das Missões. Estudaram na mesma turma até o fim do segundo grau. Nesse tempo todo, houve uma única vez que ficaram por mais de uma semana sem se falar.

Era aniversário de sete anos do Eninho, irmão caçula da Cássia. Como de praxe, as três precisavam administrar a correria dos menores, para que ninguém se machucasse mais do que o habitual, nem batessem muito uns nos outros. Antes de tudo, deviam evitar que fossem para o meio do pátio da casa. Era um lugar convidativo para brincadeiras, com um arvoredo que era uma verdadeira floresta. Segundo as mães era perigoso, porque era muito grande e alguém podia se perder, ou pior que isso: podiam dar de cara com a onça. Nem todas as mães sabem que existe um mecanismo cerebral nas crianças até certa idade que as faz interpretar os avisos de maneira um tanto diferente de como são enunciados. Dizer para a gurizada “não vai lá porque tem uma onça” é exatamente a mesma coisa que dizer “vai lá porque é lá que tá a onça”. E, para o desespero das três amigas, não tinha festa de aniversário do Eninho que elas não tivessem que sair à procura de um anjinho perdido, ou machucado. Mas onça mesmo, até então, ninguém tinha encontrado.

Naquele dia, um dos abençoadinhos teve a idéia de brincar de esconde-esconde. Para não haver problemas, as três entraram na brincadeira, e se alguém corresse para o arvoredo era logo denunciado. Tudo certo: mesmo sem ir para o fundo do terreno, ainda havia muito lugar para se esconder. Passada uma hora, sobrou para a Marta “fechar”. Para quem não conhece, esconde-esconde é uma das brincadeiras mais divertidas que existe, mas nunca é tão divertida para quem “fecha”. Todos os que brincavam com ela sabiam que ela era terrível, porque Encontrava todo mundo rapidamente. Em casos extremos, pediam para um adulto vigiar para ter certeza de que ela não estava espiando. Dito e feito. Não deu cinco minutos, a guria já sabia o esconderijo de todos. Quando já comemorava e se gabava de ser a melhor, alguém gritou: “Ô, mas ainda falta a Fernandinha”.

Primeiro foi engraçado ver a “dona” Marta, sempre invencível, procurar a última ainda escondida. E logo a menorzinha, que ainda estava no maternal. Depois, a criançada ficou um tanto nervosa, porque ninguém sabia o paradeiro da outra. A pequena já estava há mais de quarenta minutos desaparecida. O pior era que já passava das seis, e estava bem escuro. Quando foi nove da noite, encontraram a pequena, encolhidinha, dormindo embaixo de umas samambaias. Enfim, tudo acabou bem – apesar de a guria não lembrar como foi que chegou lá.

Pior foi para as três amigas, que ficaram de castigo por uma semana sem televisão, sem sair de casa, e o que era pior, sem poder brincar com as amigas.

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Semana passada soube que a Cássia está grávida de gêmeos. Se não resolverem nascer antes do prazo, vai coincidir com o aniversário de trinta anos da Rafaela, a primeira das três comadres que faz aniversário.