Cachaça ou pescaria

_ O Zé você tem anzol?

_ Anzol ! Tem não, mas tem cachaça . Você qué?

_ Quero não

_ O Zé tem minhoca no seu quintal?

_ Minhoca! Tem não, mas tem cachaça você qué

_ Quero não

_ E vara pra pescar Zé você tem?

_ Vara !Tem não, mas tem cachaça você qué?

_Quero não

_ O Zé se tem .........

_ Não tenho anzol, não tenho vara, não tenho minhoca, eu só tenho cachaça

_ Cachaça Zé

_ Você Qué cachaça

_ Não Zé, Quero não

_ O Zé se tem rede?

_ Rede! Tem não, mas tem cachaça, você qué ?

_O zé você tem canoa

_ Canoa! Tem não, mas tem cachaça

_ O Zé você tem........

_ Eu já falei Que só tenho cachaça, você qué ou não qué.

_ Não Zé , cachaça não.

_O Zé você gosta de pescaria?

_Gosto pouco.

_ O Zé você gosta de peixe?

_ Gosto pouco.

_ O Zé você gosta do rio?

_ Gosto pouco.

_ O Zé você gosta de ........

_ Gosto pouco.

_ O Zé você gosta do que?

_ Gosto de nada não.

_ Você é chato Zé.

_ Sou chato com quem é chato.

_Eu sou chato Zé.

_ Pra mim quem não bebe cachaça é chato.

_ Eu bebo cachaça Zé , muito de vez enquando, bebo na pescaria para passar o tempo.

_ E você Zé bebe para passar o tempo!

_ Eu Bebo sem motivo mesmo, só pelo gosto. Sento na varanda e ali fico horas descansando na rede e tomando uns goles.

_ E porque você não faz outra coisa Zé.

_ Como o que?

_ Pescaria Zé, o tempo demora passar e durante a pescaria você toma a sua cachaça.

_ Pescaria, não acho graça não. Gosto de baralho, mas não jogo dinheiro: vira vicio.

_ Baralho é muito chato Zé . Muita gritaria, não entendo nada disso. Gostoso mesmo é ver futebol na televisão, abro uma cerveja e torço pro Corinthians ganhar o jogo.

_ Futebol, não gosto não. É sempre a mesma coisa: quem ganha fica alegre, quem perde fica triste, no outro dia tudo se inverte e a alegria vira tristeza e a tristeza vira alegria. Tem gente que até briga, bobocas.

Eu gosto do jogo de bocha, isto sim é divertido. Tem que ser inteligente para jogar bocha, senão perde todas, eu vou todo dia jogar.

_ Bocha é chato Zé , não tem graça não.

_ Então o que tem graça para você!

_ Pescaria Zé, isso sim é que é bom. Eu vou pra beira do rio e fico lá a noite toda, lambari, bagre, taraira, cascudo o que vier é lucro. Bato papo com o pessoal e como peixe frito a noite toda, é uma beleza.

_ Pescaria é muito chato, prefiro passear na praça, lá é que é bom vou toda noite. As moças de um lado e os rapazes de outro, você dá um sorriso, se ela rir Também é porque deu certo a paquera ,se olhar para outro lado é porque não gostou. Aí dou outra volta na praça e jogo um sorriso para outra moça. Isso é que é uma beleza, adoro ver moça bonita.

_ Para de tontura Zé, as moças lá da praça são frescurentas, elas só gostam de rapazes que tem carro, e você só anda a pé com essa botina velha, e com esse bafo de cachaça então pode esquecer.

_ Mas as vezes eu pego a minha bicicleta e dou umas voltas, alembra : aquela vermelha que ganhei na rifa do Seu João lá do bar. A cidinha ficou toda impolgada quando eu passei perto dela e toquei a buzina.

_ A cidinha ! Aquela fica impolgada com qualquer homem que passa por perto dela. Outro dia viram ela andando no caminhão que trazia bebidas para o bar do Seu João, dizem que ela foi viajar com o tal negociante.

_ As vezes eu me aborreço com você.

_ Porque Zé sou seu melhor amigo!

_ Amigo da onça isso sim, ou você acha que esqueci o dia que você mentiu para Julieta, dizendo que eu estava doente e não poderia ir com ela ao cinema. Você foi no meu lugar seu traidor.

_ Nada disso Zé! Eu só queria saber se ela era uma boa pessoa para você. Eu só estava pensando em te ajudar.

_ E pra me ajudar precisava beijar ela na boca na hora em que o cinema ficou escuro!

_ Mas como você ficou sabendo que nós nos beijamos, se eu não tinha te contado nada

_ Porque eu estava sentado bem atras de vocês, seu tonto, eu vi tudo. Se bem que foi bom, porque moça direita não faz um papel desses.

_ Viu só Zé , Falei que era para te ajudar.

_ Não gosto de ajuda, os meus causos eu resolvo sózinho.

_O Zé, que cachaça você gosta.

_ Eu gosto do alambique do Zé Carlos: é cachaça pura, da boa, feito com capricho. Todo mês pego um garrafão e vou bebendo aos poucos. Mas porque a curiosidade se você não gosta de cachaça.

_ Nada não Zé, de tanto você falar na tal da cachaça, até deu vontade de experimentar.

_ Então você quer um gole?

_ Da cachaça? Quero não Zé.

_ Você se lembra quando nós dois éramos crianças e saiamos escondido de casa para ir nadar no rio?

_ Lembro sim, lembro muito bem das loucuras que nós dois aprontamos por ai. Aquele rio barrento que deixava a gente todo sujo de lama, e era muito fundo, cheio de pedras. Só Deus para guardar a gente de tanto perigo.

_ O tempo passou depressa Zé . Ficaram as lembranças bonitas das peraltices de criança.

_ E as caçadas de passarinho com estilingue e arapuca de bambu.

_ Pois é meu amigo, hoje em dia não tenho coragem nem de Ter passarinhos na gaiola. Agora entendo que bicho tem que Ter liberdade, viver solto na natureza.

_ Acho que Deus perdoa as crianças Zé. Porque elas não tem maldade no coração, mas que era uma judiação maltratar os bichinhos, isso era. Nós dois éramos iguais índios no meio do mato, sem contar o perigo de cobras e outros bichos.

O mais gostoso era o futebol no campinho de terra, quando chovia então virava um bando de porcos elameados correndo atrás da bola. Aquela bola meio murcha que o Seu Dito Havia dado para gente.

Você se lembra do Seu Dito? Policial aposentado, homem muito bom, tratava as crianças com carinho.

Ele fazia um desenho de um campo de futebol no chão e ensinava a criançada a posição de cada jogador no campo. Pena que teve que ir embora para a cidade grande, cuidar da saúde de sua mulher, nunca mais ouvi falar deles.

O nosso bairro ficou vazio, todas as crianças da nossa época cresceram, casaram, outros se mudaram e acho que só sobrou nós dois aqui nesse lugar. A vida é assim mesmo, tudo tem que se renovar.

As festas juninas sempre foram muito animadas, você se lembra? A criançada ensaiava a quadrilha, as mães colocavam remendos nas roupas e pintavam a nosso rosto de preto, imitando barba e bigode.

As meninas com aqueles vestidinhos velhos se tornavam verdadeiras caipirinhas. O Seu Joaquim montava aquela enorme fogueira que iluminava todo o lugar, ao longe se via a lenha queimando.

Algumas pessoas passavam descalças pela brasa, diziam que se tivesse bastante fé o pé não se queimava. Talvez a minha fé fosse muito pequena, porque nunca tive coragem de passar pelo braseiro.

Minha mãe trazia enormes panelas de pipoca e amendoim torrado, e papai preparava o tacho de quentão.

_ É meu amigo isso era muito divertido, pena que tudo isso infelizmente não exista mais aqui em nosso bairro, o povo está se esquecendo das velhas tradições e antigos costumes.

_ Pois então Zé em nome dos velhos tempos e da nossa amizade, vou te acompanhar num gole da sua cachaça.

_ Pois eu prefiro fazer ainda melhor: vamos juntos tomar a cachaça na beira do rio, numa bela pescaria.

FIM