Morreu como Cristo

Naquela pequena cidade do interior de Pernambuco, de povo alegre e trabalhador, já habituado com a vida simples e com as dificuldades de sobrevivência, principalmente na época da seca, quando além do alimento faltava água até para beber, morava o Sr. Normando e sua esposa Gloria. Casados pelo antigo regime obrigatório de comunhão universal de bens, faziam questão de afirmar que tudo que tinham na vida era de propriedade de ambos.

Na verdade, afirmava o Sr. Normando que a única coisa que a sua esposa teria adquirido após o casamento, fora quarenta quilos de gordura, tornando o seu corpo um amontoado de banha, que teria afastado por completo o seu apetite sexual. Por sua vez a Sra. Gloria, sempre alegre, justificava que segundo o médico local, o seu marido ficou Diabético e por conta disso as veias enrijeceram e o órgão sexual ficou flácido, no popular dizia ela “ a veia endureceu e o bilau amoleceu e ele ainda diz que a culpada sou eu”.

Normando gostava da política partidária e estava sempre trabalhando nas campanhas como “cabo eleitoral”, afirmando que conhecia bem as artimanhas do Prefeito local que nunca saia do poder. O Delegado era um colaborador direto nas campanhas do tal Prefeito. Comenta-se que durante o período eleitoral, o mesmo verificava a lista dos bandidos procurados e terminava prendendo alguns que sob a promessa conseguir votos para o Prefeito, com sua família e conhecidos, eram liberados sob a ameaça de que se os votos não aparecessem nas urnas, eles seriam novamente encarcerados.

O fato era conhecido e comentado discretamente entre os moradores daquela cidade. O Sr. Normando e sua esposa eram muito católicos e não faltavam a missa do domingo, quando costumava dizer ao padre, na frente de sua esposa que o seu maior desejo era morrer igual a Cristo.

Por conta da Diabete mal cuidada, o Sr. Normando terminou agravando o seu estado de saúde, vindo a ter uma isquemia, que lhe deixou seqüelas. Certo dia, logo pela manhã, o Sr. Normando começou a sentir fortes dores no peito, o que deixou a sua esposa apavorada, e diante daquela situação desesperadora disse ao seu marido que iria chamar o médico, ao que o mesmo respondeu:

- Glória, esqueça o médico e chame o Delegado e o Prefeito, diga-lhes que eu estou morrendo e imploro pela presença dos mesmos!

Dona Glória saiu em disparada e levou até o Delegado e ao Prefeito o apelo do seu marido Normando que estava à beira da morte. Sabedores de que o Sr. Normando era uma pessoa querida pela população, e sempre conseguia muitos votos para o Prefeito, ambos saíram em disparada rumo a casa do Normando para atender ao apelo e assim ganhar a simpatia do povo. Lá chegando, encontraram muita gente que nutriam admiração e respeito pelo mesmo.

Ao ver o Prefeito e o Delegado, apesar da fragilidade em que se encontrava, deixou transparecer um sorriso de alegria com a presença dos convidados, pedindo para que o Delegado ficasse do lado direito da cama, pois representava a Lei, e que o Prefeito deveria ficar do lado esquerdo da cama, que era o lado do coração. Após atenderem ao pedido do moribundo Normando, os três, se deram as mãos, oportunidade em que o Normando deu o último suspiro, vindo a falecer. Dona Glória aos prantos, com os seus 125 Kg de gordura, começou a gritar para todos:

- Graças a Deus, Graças a Deus,...morreu como queria, igual a Cristo! As pessoas ali presentes não conseguiam entender aquela manifestação de alegria e perguntaram a dona Glória:

-Comadre, a Sra. pode dar uma explicação para esta euforia ? Ao que a mesma respondeu:

- Olhem todos para o meu marido! ele morreu de mãos dadas com o Prefeito de um lado e o Delegado do outro, igual a Cristo, como sempre desejou. As pessoas presentes continuavam sem entender e reiteraram a pergunta a dona Glória:

- Ora dona Glória, porque a senhora afirma tanto que o seu marido morreu igual a Cristo ?

- Porque morreu entre dois ladrões, respondeu ela...!