Ela perdeu o controle

7:00 Am...O relógio despertou. Inultimente repetia sua seqüência matinal de apitos; ela o preferia assim. Já havia sintonizado em algumas estações de rádio, gostava especialmente de uma, tocava sempre suas canções prediletas; mas um dia, frio e cinzento, não absurdamente amarelo como hoje, aqueles foram tempos difíceis, quase não havia sol, quase não houve vida. Ela acordou um minuto antes do relógio despertar, minuto que pareceu horas, seus olhos procuravam um ponto fixo, mas não conseguia controlá-los até serem atraídos pela luz do relógio. Congelaram-se diante do despertador. Ela sentiu pesar os ombros. Seus ouvidos foram atacados por um ruído fino e ensurdecedor. Suas mãos, trêmulas, contorciam-se enquanto apertavam o lençol de seda barata em seus dedos. A respiração diminuiu bruscamente, suas pálpebras foram facilmente derrotadas, um último suspiro antes da viagem ao inferno da sua existência. Um aparelho desligado da tomada. Ela perdeu o controle. Angustiou-se em uma visita forçada à sua mente. Saltou da cama com a guitarra pesada de The Number of The Beast e não soube responder se era um sonho ou não. A partir deste dia, o apito irritante do despertador reinaria em suas manhãs. Esta manhã a regra não foi quebrada, mas ela sabia que não poderia ser apenas sonho. Tudo estava diferente, azul demais. Era mais um desses dias em que acordava esperando o inevitável, bem ou mal, não importava; aliás, bem ou mal nem se diferenciavam em seus pensamentos. A imagem dela, encostada ao lado da janela, com o isqueiro em uma mão e a tranqüilidade em outra. A tranqüilidade da epiderme, porque o âmago ela controla novamente. Uma aeronave ao longe atrai seu olhar, antes perdido entre o vazio dos seres. A solidão como lembrança materializada naquele pássaro de metal. O esquecimento contraído pela liberdade do pássaro-aço. Ela pensou que poderia viver com a persuasão da possível ida, ou da prometida volta. Mas quando ela rompeu a escuridão, revelou todos os erros e enganos. Não quis aceitar. Esperneou, debateu-se, gritou; nenhum recado na secretária eletrônica. Afundou-se em descontrole. O pássaro voa para a liberdade daqueles que pagaram por isso, com sonhos, impulsos ou hipocrisia. Não havia para ela compreensões entre seus iguais; ela não parecia mais uma visita irritante, somente desconhecida. Olhou para o reflexo amarelo na fotografia de criança, como era sensível e indefeso. Rasgou-a. Queimou-a. Deu as costas ao amarelo-azulado como quem não se importasse com o dia espirituoso e cheio de falsas esperanças que havia lá fora. Sentiu as pernas maleáveis já quando estava ao chão, a cabeça em constante atrito com a parede, começava desenhar pequenas gotas avermelhadas sobre os fios dourados descoloridos. Olhou para o céu, um punhado de estrelas e planetas fluorescentes brilhavam em seus olhos, fixos. Sentiu a presença, antes indesejada, penetrando furiosamente nas entranhas, conduzindo seu frágil corpo a se contorcer como uma artista do Cirque de Soleil. Sorriu. A respiração estava dificultada, a pulsação caíra. Ela assumiu o controle novamente. Aceitou a visita que já era esperada há muito tempo. Imaginava que talvez ela tivesse as respostas, ou trouxesse para o cárcere o coração que a ave de metal libertara. A respiração ofegante, vasos sanguíneos dilatados, vértebras estilhaçadas...Ela pegou em sua mão e a traiu. E sem compreender, ela perdeu o controle novamente, novamente...

Fe Jacomassi

(Ago/08)