Causos

Os "causos" abaixo são fatos verídicos, aconteceram comigo.

02 de agosto de 1998. Ao aterrisar na cidade do Porto-PO, me hospedei numa pensão e logo fui tratar dos papéis que precisava para dar entrada no processo de cidadania portuguesa. Meu pai havia falecido há seis meses atrás, sem nunca ter se casado com minha mãe pela lei portuguesa, apenas no Brasil.

Nem mesmo descansei da longa viagem, apesar do cansaço, queria resolver logo o que tinha de resolver para descansar depois.

Fui então à Vila Nova de Gaia, para tirar a certidão de nascimento de meu pai. Mas antes passei num banco na cidade do Porto, chamado Caixa Geral de Depósitos para trocar dólares por escudos, ainda não havia o Euro.

Ao chegar ao banco, percebi que havia uma fila única, enorme por sinal, então me dirigi à recepção para saber se havia um caixa especial para troca de câmbio, como temos no Banco do Brasil.

A funcionária estava atarefadíssima, atendendo várias pessoas. Num dado momento ela olhou para mim e perguntou o que eu desejava. Disse-lhe então que queria trocar dólares por escudos e se havia um caixa especial para isso ao que ela me respondeu:

- Não, é só pegar o rabo da bicha! Disse isso com um gesto apontando numa direção atrás de mim.

Fiquei chocado com a resposta e em poucos segundos minha mente fervilhou. Olhei para trás e vi apenas as pessoas na fila, olhei rapidamente e não consegui vislumbrar nenhuma bicha ali, se havia era super discreta. Ao mesmo tempo pensava:

- Que horror! Como pode uma mulher grossa assim estar aqui atendendo o público? E eu vim aqui trocar dinheiro, não fazer sexo, ainda mais com uma bicha, o que essa senhora tá pensando? Vou chamar a gerência, isso não vai ficar assim.

Me virei de novo para ela já disposto a engrossar mas lembrei que estava em outro país. Respirei fundo tentando me acalmar e logo pensei:

- Um momento Luiz, você está em Portugal e apesar de falarmos a mesma língua, deve ser uma expressão que você não conhece, eu estava trêmulo.

Respirei fundo de novo e tentei controlar minhas emoções para perguntar-lhe:

- Senhora, o que é uma bicha?

Nesse momento ela percebeu que eu era brasileiro. E respondeu:

- Ora pois, a bicha é essa bicha aí que o senhor estar a ver atrás de si.

Respondi-lhe:

- Desculpe-me, mas não vejo nenhuma bicha aqui. Tentando manter a calma, estava a ponto de gritar com ela.

Então ela disse:

- O senhor não vê as pessoas umas atrás das outras? Pois, isso é a bicha! Como vocês falam no Brasil?

- Ah, a senhora está dizendo para pegar a fila! E o rabo da bicha é o final da fila?

Ela:

- Sim, pois! É fila que chamam no Brasil?

Respondi-lhe então:

- Sim, para nós bicha é um homossexual e rabo são as nádegas dele.

As pessoas em volta começaram a rir. Eu também não pude me conter e soltei uma gostosa gargalhada. Daí "peguei o rabo da bicha rindo a pregas soltas".

OBS: Em Portugal os homossexuais são chamados de "paneleiros"

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No dia 04 de agosto de 1998, cheguei a Londres. Não falava inglês, não conhecia ninguém, mas através de um brasileiro que morava num flat onde fiquei hospedado por uma semana soube que a colheita de maçãs iria começar em breve, então saí de Londres e fui para uma fazenda no interior da Inglaterra, próximo à cidade de Canterbury, com outro brasileiro que também estava sem emprego em Londres.

Chegando lá, nos juntamos a um grupo de brasileiros que aguardavam também o início da colheita. Após a colheita, fomos então para uma outra fazenda do mesmo proprietário.

Trabalhávamos arduamente todos os dias, fazíamos de tudo,

colhíamos, plantávamos, recolhíamos pedras no pasto, de tudo

mesmo, éramos pau para toda obra.

Eis que um belo dia chegam mais dois brasileiros por

intermédio de um do grupo. Recém-chegados do Brasil, vindos do interior de Goiás.

Nesse dia não havia trabalho, estávamos esperando começar a colheita de couve-flor.

Estava eu sentado na cozinha, conversando com alguns do grupo, outros tinham ido à cidade mais próxima fazer compras, quando os vejo, Osvaldo e Neto (nomes fictícios claro!). Osvaldo, magro, olhos arregalados, visivelmente assustado sem saber o que o esperava. O Neto era seu primo, mais desconfiado, com pinta de Clark Kent, rss.

Ao verem que só tinham brasileiros, já relaxaram mais porque não sabiam falar inglês. Relaxaram mais ainda quando lhes disse que ali ninguém falava inglês de fato, éramos todos novatos no país, todos ilegais para o trabalho, pois tínhamos visto de turista ou alguns já com seus vistos vencidos.

Daí o Osvaldo, que era mais expansivo que o primo,

começou a nos contar da sua primeira viagem de avião, com aquele jeitão simplório que logo me fascinou.

Mas antes já foi logo contando sua vida, que devia dinheiro no Brasil, que veio tentar arrumar a vida, pagar os credores e coisa e tal.

As estórias sobre o avião eram as mesmas de qualquer pessoa que jamais tinha entrado em um, nada de excepcional além do jeito de falar que para mim era super engraçado.

Destaca-se apenas quando ele contou da "caganeira" que sentiu no avião. Foi ao toilet fazer o "serviço" e ao se limpar, percebeu que não havia a cestinha para jogar o papel usado. Daí pegou mais papel, enrolou o papel usado e guardou no bolso da camisa e retornou a seu lugar. Seu primo então começou a reclamar do mau cheiro e sugeriu que ele despejasse tudo na "latrina". Assim ele o fez, retornou ao toilet e se livrou daquele mau cheiro.

Ao final da estória o comentário que mais me surpreendeu:

- Nossa, "cheguemos" aqui com uma fome danada não foi Neto? As "tripa" já me "revirava" o estômago de tanta fome.

Daí eu perguntei:

- Mas por que vocês não comeram no avião já que estavam com tanta fome?

Imaginava que ele diria algo do tipo:

- Aquilo é lá comida de gente seu moço?

Ledo engano, a resposta me surpreendeu:

- Luiz, "nóis é" pobre, foi com muito sacrifício que compramos as "passage" para poder vir para cá, tive de pedir dinheiro emprestado a um agiota. Você acha que com as "passage" cara daquele jeito eu ainda ia gastar dinheiro com comida no avião? De jeito nenhum! Só tomei uma coca-cola e a moça esqueceu de me cobrar, graças a Deus, também com tanta gente naquele avião!

Pedi lincença e me retirei da cozinha. Não queria

ter a minha crise de risos em frente deles.