Algo no terreno

Um grupo de crianças estava em polvorosa frente a um terreno baldio cheio de árvores não podadas, muito entulho e partes do que noutros tempos fora uma casa e que agora estava parcialmente demolida.

Havia alguns cães parados junto ao portão baixo feito com chapas de ferro fundido, os animais latiam constantemente como se algo realmente não estivesse muito bem. A cena era de total caos.

Muitos dos meninos e meninas que ali estavam, lançaram mão de pedras que estavam pela rua e calçadas próximas e arremessavam para dentro do terreno; os cães avançavam sobre o muro pequeno e o portão que estava fechado e que era apoiado pelo lado de dentro, por um monte de tijolos que um dia foram a parede da frente da casa, mas que já havia desabado meses antes, logo que a defesa civil interditou o lugar justamente por risco de queda das estruturas.

Pouco a pouco adultos moradores da própria rua e das redondezas foram se juntando as crianças, estavam intrigados, pois ouviam o que os pequenos estavam falando.

_Está ali! _ dizia um deles.

_Correu! Correu! Foi para trás da árvore._ retrucava outro.

Arremessavam uma saraivada de pedras, alguns sorriam outros gritavam.

_Acertei! Peguei ele. _Gritou um.

_Joga mais pedras, ele ainda está correndo._ Disse mais um.

A essa altura, no outro lado da rua alguns adultos se reuniram para ver a brincadeira dos meninos e toda aquela empolgação.

Embora toda a extensão da rua fosse muito bem iluminada, aquele terreno que já estava desocupado fazia muito tempo não possuía iluminação alguma; de vez em quando, os meninos se reuniam exatamente daquele jeito para jogar pedras em gatos, morcegos ou qualquer tipo de animais que aparecesse no terreno, ficavam naquela brincadeira por horas, certas vezes nem era necessário haver algum bicho lá, eles simplesmente fingiam que estavam caçando algum animal gigante. Imaginação infantil.

Naquela noite em particular eles continuavam fazendo isso, porém havia com certeza algo dentro do terreno e deveria ser algum gato, e dos grandes, porque os cachorros tinham se juntado num número grande para latir junto ao aglomerado de crianças em frente ao terreno baldio. Os cães estavam vindo de outras ruas de forma que já havia uma grande cainçalha.

Um dos rapazes que vigiavam ao longe as crianças chamou seu filho de entre a multidão e perguntou:

_O que é que vocês estão fazendo ali?

O garoto suado e eufórico trazia várias pedras nas mãos e precisou tomar fôlego antes de responder.

_ Tem um bicho enorme se escondendo no terreno pai!_ falou; tomou mais fôlego e disse mais_ É um monstro.

Um dos cães saltou sobre o muro, latindo e rosnando partiu para dentro do terreno, logo se embrenhou em meio aos matos, pedaços da antiga construção, madeira e lixo, que infelizmente os vizinhos lançavam no terreno sem nenhuma dor de consciência; as crianças imediatamente entraram num frenesi, estavam felizes ao extremo.

_ Termine logo com isso e vamos_ Disse o pai do garoto.

Quando o menino se aprontava para voltar ao tumulto, um ganido violentíssimo foi ouvido por todos, seguido por um barulho tremendamente aterrorizante, um ruído cujas palavras não são capazes de reproduzir.

O som medonho gelou imediatamente o sangue nas veias de todos os adultos que ali estavam, embora nenhum deles tenha demonstrado com palavras, mas o silêncio que se seguiu entre eles foi muito mais eloqüente do que qualquer ajuntamento de frases. As crianças correram de forma estabanada para perto dos pais do outro lado da rua, algumas chorando e outras simplesmente espantadas e os cães se limitavam a rosnar na direção do terreno sem se atrever mais a latir. Rosnavam apenas, na verdade, nem mais corriam de um lado para outro como estavam fazendo minutos atrás.

Lá entre as árvores, os matos e entulhos e aquele esqueleto de casa, parcialmente destruído, Algo travava uma batalha contra o cão que atravessou o limite do muro, o barulho era semelhante ao de uma briga convencional entre cachorros, mas com o ganido e aquele som estranhíssimo à disputa parecia ter findado.

Algumas crianças estavam chorando agarradas as pernas dos adultos, todos eles sabiam instintivamente que aquele cão lutou para não morrer, mas não foi bem sucedido; havia algo no terreno, algo que não deveria estar ali; mas o que seria?

_ Que barulho foi esse pai? _ perguntou o garoto.

O pai não sabia o que dizer e permaneceu em silêncio até que outra pessoa resolveu ou conseguiu falar.

_ Tem alguma coisa aí dentro._ disse uma das mulheres presentes.

O terreno escuro ocultava facilmente qualquer coisa que estivesse em seus domínios, quer fosse humano; quer não.

Alguém teve a idéia de ir rapidamente em casa; morava a duas casas do lugar, no lado oposto ao terreno. Minutos depois retornou com três lanternas; as crianças agora estavam apreensivas encostadas no muro, e limitavam-se a olhar.

Seus pais atravessaram a rua, os cães haviam estranhamente se deitado na calçada, nenhum deles emitia som algum; absolutamente nada, mas acompanhavam a movimentação das pessoas com as cabeças e com os olhares.

_ O que houve com os cães? _ perguntou a mulher.

_ Não sei._ Alguém respondeu.

Chegaram bem em frente ao terreno, ligaram as lanternas e direcionaram os fachos para os espaços obscurecidos pela noite; hora apontavam para as árvores, hora para a casa; hora para o mato e hora para os entulhos e lixo. Assim iam passando em revista de longe toda a extensão do terreno.

De repente algo se moveu, as pessoas se assustaram; foi rápido e rasteiro, saiu de trás da árvore e passou para os fundos da casa.

A mulher deu um salto para trás; os fachos de luz das lanternas não foram suficientemente rápidos para acompanhar aquele movimento tão brusco.

_ O que foi aquilo?_ Ela perguntou.

_É um homem._ Outro afirmou

_Com calda!?_ perguntou balbuciante o pai do menino.

Todos olharam para ele incrédulos.

_Eu tive a impressão de ter visto uma calda.

_Você só pode estar pirado. Disse outro

Eles varreram novamente a área com as luzes, sem achar qualquer coisa, mas aí as folhagens das árvores começaram a se mover; os cães levantaram e recuaram rosnando novamente.

_ Está nas árvores.

As pessoas ali paradas não perceberam de imediato, mas todas elas estavam suando frio.

_ O que está nas árvores?

A mulher gritou e caiu sentada apontando desesperadamente.

_ Ali!... Ali!..._ dizia ela.

Eles rapidamente apontaram as luzes para um ponto específico das árvores e a visão que tiveram em um segundo, ficaria gravada em suas retinas e mentes para sempre.

Por entre as folhas escondendo-se, parecia um ser com o formato de um homem, porém, quando iluminado pelas luzes, logo se notou que aquilo era tudo no mundo, menos um homem. Um corpo um tanto quanto esquio, estava de cócoras segurando-se num galho com uma das mãos; parecia ter garras, a outra mão pendia para baixo; os olhos grandes e refletiam a luz como quando se iluminam os olhos de um gato na escuridão. Mas aqueles olhos eram enormes e medonhos; as folhas tapavam a maioria do corpo daquele bicho, mas realmente havia uma calda enrolada num outro galho da árvore. Era uma visão terrível.

A mulher apavorada correu de volta para o outro lado da rua; antes que eles pudessem fazer ou dizer algo aquele mesmo som que os assustou, foi ouvido novamente; as folhas se moveram bastante, o bicho se moveu e saltou, todos correram, mas ele havia saltado para dentro do terreno novamente. Alguém disse:

_ Ele pulou pelo muro dos fundos.

Não havia casas na rua de trás, apenas um grande terreno com muito mato, e que ainda estava sendo loteado.

Aquilo desapareceu noite adentro e nenhum dos moradores teve coragem de ficar na rua até mais tarde. Eles não sabiam, mas dias depois o jornal destacaria a seguinte matéria:

“Relatos de supostas aparições de discos voadores agitam localidades da Baixada Fluminense”.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 23/09/2008
Reeditado em 25/09/2008
Código do texto: T1192125
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