O médico e o monstro

Voltando àquela cidadezinha do interior de Minas Gerais, onde

acontecia de tudo e mais um pouco, vou lhes falar de Germano Palmeira, médico ortopedista dos velhos tempos e, nas horas vagas prefeito da cidade. Estamos falando do final da década de setenta.

Dona Andrélina Vieira, uma senhora gorda, já perto dos sessenta anos, muitíssimo eficiente e influente entre os políticos da região, acabara de torcer o seu pé ao descer as escadarias do prédio da prefeitura, onde era uma funcionária exemplar; sendo, por isso mesmo, o braço direito, o braço esquerdo e, na maioria das vezes, a cabeça do prefeito.

Foi levada às pressas para a Santa Casa da cidade, onde esperou -pacientemente- a chegada do Dr. Germano, que participava de um jogo de pôquer, dentro da própria prefeitura, sob a fachada de "reunião administrativa".

Após examiná-la, detalhadamente, com os seus parcos conhecimentos médicos Dr. Germano -finalmente- diagnosticou: - O seu pé fraturou e precisa ser engessado, imediatamente.

Devo esclarecer que ele era o único "ortopedista" que havia na cidade, portanto, numa emergência, não havia nenhuma alternativa...

Pensando em contornar o problema que ela teria para se locomover, considerando a sua decisiva importância dentro da prefeitura, resolveu fazer-lhe uma botinha de gesso, para facilitar a sua pisada.

Dr. Germano nunca havia feito nenhuma dessas botinhas, sobre as quais já ouvira falar, mas, sem ter a menor idéia de como fazê-las...

Porém, ousado ao limite, resolveu usar a sua criatividade e, depois de mais ou menos uma hora, Dona Andrélina foi levada para sua casa, com uma botinha de gesso no pé.

Ficou de repouso por uns dois dias, antes de se arriscar a dar a primeira pisada com a botinha do Germano, como ficou conhecida a dita cuja...

A primeira pisada foi muito dolorida, mas, pensou: - Deve ser assim mesmo, e, com certeza, daqui a pouco vai melhorar.

As horas passavam e a dor ao pisar só estava piorando, e além do mais, já doía mesmo sem pisar.

No dia seguinte a dor tinha se tornado insuportável e, um inchaço arroxeado, tomava conta de sua perna.

Dona Andrélina, depois de muito relutar, resolveu -por insistência de seus familiares- ouvir uma segunda opinião a respeito de sua fratura, do engessamento e daquela dor insuportável que estava sentindo...

Rumou, então, até uma cidade vizinha, para se consultar com um ortopedista famoso na região, já tendo como agravante, naquele momento, um inchaço que só fazia aumentar, além daquele enorme arroxeado já chegando perto do joelho... Um quadro deveras assustador.

Dr. Geraldo -o médico em questão- fez um exame cuidadoso com a ajuda de radiografias, olhando-as, sem entender absolutamente nada.

Sem ter conseguido formar uma idéia clara sobre o caso, resolveu retirar o gesso imediatamente, para alívio de Dona Andrélina.

Gesso removido, Dr.Geraldo, cheio de dedos, explicou-lhe que a dor que ela estava sentindo, devia-se a uma pequena distração do Dr. Germano -famoso pelas barbaridades- que, ao engessá-la, "esqueceu-se" de retirar-lhe o sapato, que, por acaso, possuía um pequeno salto.

A idéia sensacional que ele teve foi: Aproveitar o salto para incluí-lo no gesso, não se dando o trabalho de retirá-lo do sapato.

Ele, simplesmente, resolveu inovar o método de engessamento, fazendo de conta, que o sapato era parte integrante do pé de dona Andrélina. Tudo isso por causa de um salto, vejam só!

Um verdadeiro gênio se tivesse dado certo...

Dona Andrélina caiu num choro convulsivo, aliviada pela retirada do gesso e, transtornada por um ódio -digno de bandidos- que lhe consumia as entranhas...Se Germano estivesse presente naquele momento, assistiria ao fim antecipado de sua vida.

Dizem que de médico e de louco todos nós temos um pouco, porém, no caso do Dr. Germano a parte médica era ínfima, mas, ele se esforçava -com unhas e dentes- para compensar essa falta, cultivando a sua loucura ao máximo, para desespero de quem precisasse de seus cuidados profissionais...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 01/10/2008
Reeditado em 02/10/2008
Código do texto: T1205805
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