O mistério de Adolfo

Batíamos um papo animado, regado a uísque e sustentado por um queijo da Serra da Canastra, curado ao extremo; coisa finíssima, talvez o melhor queijo produzido no Brasil. Uma grandiosa contribuição das Minas Gerais aos paladares mais exigentes e apurados.

Já tínhamos derrubado pelo menos umas quatro doses, conversando sobre a desilusão, que ele, meu primo Adolfo, tivera como cafeicultor.

Falávamos da ganância desmedida dos fabricantes de adubos e defensivos agrícolas, que, juntamente com o governo, com os seus excessivos encargos e impostos, roubavam dos produtores, as riquezas que eles geravam.

Nossa conversa acontecia em sua fazenda, que fora, carinhosamente, apelidada de Chácara.

Quando crianças, aquela fazenda era quase um parque de diversões para os incontáveis primos de nossa família, nos fartando de frutas, de leite tirado na hora, misturado ao açucar e ao famoso conhaque de alcatrão de São João da Barra.

Uma delícia que ficou gravada -para sempre- em nossas memórias. Além disso, claro, as pescarias no açude que ficava próximo da entrada da Chácara.

Assim que essa lembrança me veio à cabeça, eu perguntei ao Adolfo, o que acontecera com o "nosso" açude, que notei, estava seco.

De um só salto, levantou-se, pedindo-me que o acompanhasse. Saímos andando em direção ao açude, enquanto ele fazia um longo discurso, dando-me todas as explicações sobre o porquê de tê-lo drenado.

Quando chegamos ao leito vazio, apontou para uma cruz de madeira, fincada bem lá no meio, perguntando-me num tom solene:

- Está vendo aquela cruz?

- Claro, respondi.

- Bem ali onde está a cruz, encontrei, depois de esgotar o nosso

açude, uma coisa que você não vai acreditar.

- Um baú cheio de moedas de ouro? Perguntei-lhe, zombando.

- Sem dizer uma palavra, olhou-me, profundamente, como se

estivesse me recriminando pela brincadeira.

- Desculpe-me, se te ofendi. Eu disse, vendo-o sério demais.

- Olha vou contar só pra você, que é meu amigo, mas tem que

prometer não contar pra ninguém, nem pra sua mulher.

Disse-me isso, com o maior cuidado, olhando sempre para os

lados, com medo que alguém estivesse nos escutando.

- Cara, assim você está me assustando. Afinal, encontrou o quê?

- Aimberê, meu amigo, encontrei o esqueleto de um ser humano.

- Não acredito! Eu disse quase sem pensar.

- Não falei que você não iria acreditar! E olha, pelo jeito, era o

esqueleto de um cigano...

Eu, inocentemente, perguntei: - Como é que você poderia saber

uma coisa dessas?

Ele, ainda muito sério, completou: - Pelo tacho de cobre nas

costas do esqueleto... Deixando-se levar, em seguida, por uma

gostosa gargalhada...

Todos nós, com certeza, algum dia já fomos tapeados, talvez não com essa maestria, mas, poucos de nós, teriam a coragem de confessar...

Só me restou, cair gostosamente na gargalhada, junto com ele, pois,

a alegria chegara e estava imperando, mesmo que às custas de uma pequena humilhação, que, na verdade, não representava nada, comparada ao prazer daquelas risadas.

Aprender a rir de si mesmo é o princípio da sabedoria, do bom viver, e nós, precisamos urgentemente, nos livrar da imensa auto-importância

que nos damos desde sempre -praga que inferniza nossas vidas- se quisermos usufruir, um pouco, daquilo que chamamos de felicidade...

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 08/10/2008
Código do texto: T1216918
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